“Pensar e fazer com”, foi com essa pesquisa-ação que a agente comunitária de saúde Ana Regina Barbosa, egressa do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde (Turma Ceará) da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, apresentou sua dissertação que tem como objetivo construir estratégias e ações de vigilância popular e cuidado em saúde junto a mulheres de território de alta vulnerabilidade da Barra do Ceará (Fortaleza/CE).
O trabalho dela foi seguido de uma motivação pessoal, alfabetizada apenas aos 11 anos de idade, Ana Regina, hoje técnica em enfermagem, graduada em serviço social, especialista em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho, e agente comunitária de saúde de Fortaleza (CE), contou que foi por acreditar nos estudos e em um futuro melhor que chegou ao mestrado. E inspirada pela sua trajetória, resolveu apresentar uma pesquisa que mapeou as organizações comunitárias, identificando as potencialidades e estratégias do território e dos serviços de saúde a fim de construir coletivos de promoção da vigilância popular e cuidado em saúde, além de identificar o perfil socioeconômico de mulheres do seu território de atuação profissional.
Falta de segurança, emprego, saneamento básico, profissionais de saúde no posto de saúde, informação, fiscalização ambiental, além de violência doméstica, lixo, pocilga (criação de animais de forma inadequada), abandono de animais, divisão de territórios (facções criminosas), moradias precárias e jovens envolvidos com drogas – esses foram alguns elementos promotores e ameaçadores da vida na comunidade analisada pela egressa.
Os dados foram apresentados por meio de um mapa social, e com base nas informações colhidas, foi elaborado também um plano de ação com o grupo de pesquisa. Os resultados apontaram para a potência do olhar da determinação social da saúde e podem ser conferidos na entrevista da semana da coluna de divulgação científica “Fala aê, mestre”.
Poderia contar brevemente como a sua trajetória pessoal e profissional se conecta com o tema da sua pesquisa?
Ana Regina Barbosa: Acredito que a minha trajetória pessoal e profissional foi fundamental, primeiro para o ingresso no mestrado, segundo para a escolha do objeto de pesquisa e para o vínculo desenvolvido com a comunidade, que possibilitou o contato com as mulheres, os sujeitos da pesquisa. A trajetória pessoal é de uma trabalhadora estudante desde o ensino fundamental, logo os temas abordados na pesquisa têm relação íntima com minha realidade pessoal de vida, moradora de uma comunidade periférica. Já no âmbito profissional é de uma agente comunitária de saúde vivenciando os diversos problemas sociais, principalmente os relacionados à saúde da população. No acompanhamento às famílias observo de perto as dificuldades no acesso às políticas públicas. Por fim, o interesse em desenvolver pesquisas no âmbito da promoção da justiça social levou-me a esse tema de pesquisa.
O que é vigilância popular em saúde, qual a sua importância e por que ela não substitui as ações de vigilância em saúde que devem ser realizadas pelo Estado?
Ana Regina Barbosa: A vigilância popular em saúde é o fazer com a comunidade, ou seja, identificar os fatores de riscos à saúde e ouvir a comunidade para pensar ações de prevenção e promoção da saúde. A vigilância popular em saúde não tem a pretensão de substituir as ações de vigilância em saúde implementadas pelo Estado, mas sim somar suas práticas coletivas e contribuir com uma vigilância mais participativa e coesa com a realidade dos grupos mais vulneráveis. É de extrema importância, uma vez que construída com a comunidade e para a comunidade, a vigilância popular rompe com o domínio do pensamento burguês, revelando que, muitas vezes, as agendas estatais não estão em consonância com os reais problemas da comunidade. A vigilância popular se apropria de técnicas e conhecimentos para assumir o protagonismo que lhe é de direito pela já instituída lei orgânica do SUS.
Como o conceito de determinação social da saúde contribuiu para o seu trabalho?
Ana Regina Barbosa: Compreender que a saúde da população depende de uma complexa articulação dela com o território e suas dinâmicas sociais, econômicas, culturais e, principalmente, política, que, muitas vezes, dita os recursos disponíveis para cada grupo social, nos permite entender que a saúde vai muito além de uma busca individual, sob essa perspectiva, tem caráter histórico-social ditado por lutas entre poderes, sendo o monitoramento participativo imprescindível para um processo emancipatório que visa a transformação social.
Por que escolheu a pesquisa-ação como metodologia?
Ana Regina Barbosa: A escolha da metodologia teve o propósito de realizar uma construção compartilhada do saber que inclui o “pensar e fazer com” as comunidades. Não somente com a pretensão de aumentar o conhecimento dos pesquisadores sobre o tema escolhido, mas de também aumentar o nível de consciência da comunidade dos problemas observados por ela, direcionando para alguma ação efetiva e independente dos pesquisadores.
Como foram selecionadas as mulheres convidadas a participar da pesquisa-ação? E por que elas são chamadas de pesquisadoras populares?
Ana Regina Barbosa: Foram convidadas mulheres maiores de 18 anos que pertencem ao território de abrangência da Unidade de Atenção Primária à Saúde e que são atendidas nos serviços ofertados, de modo que conseguíssemos uma amostra representativa das mulheres e da população do território. As mulheres participantes da pesquisa contribuíram e construíram de forma coletiva o processo de discussão, a cartografia social e o desenvolvimento das ações realizadas na pesquisa. A pesquisa-ação não aconteceria sem a participação direta e o empenho das mulheres.
Qual a percepção dessas mulheres sobre o que é saúde?
Ana Regina Barbosa: Inicialmente, começamos com a pergunta “o que é saúde para você?”. As respostas foram variadas, mas as respostas médico-centradas predominaram nesse primeiro momento, focadas no serviço médico (ou na falta dele) no posto de saúde. Nas oficinas subsequentes, com a proposta da pergunta guia de quais os elementos que promovem e quais ameaçam a vida, notamos que a percepção sobre saúde foi ampliada e que passaram a explanar mais o termo saúde, discutindo segurança, lazer, relações com a vizinhança e com o meio ambiente.
O que é um mapa social, para que ele serve e como essa estratégia foi utilizada no seu trabalho?
Ana Regina Barbosa: O mapa social é uma forma de representação gráfica que busca representar a relação da comunidade e do território, aproximando as linguagens de forma comum e acessível. Dessa forma, quando feita por grupos sociais, por minorias, serve para favorecer um olhar coletivo para o território, gerando reflexão, conscientização de responsabilidades e de direitos e, por conseguinte, pode permitir articulação comunitária de forma autônoma. Nesta pesquisa o mapa social foi construído através de um processo participativo e coletivo por meio de oficinas que possibilitaram a troca de saberes e vivências das mulheres sobre o território e comunidade onde elas vivem.
Em relação ao plano de ação elaborado, quais aspectos dele você destacaria? Ele já começou a ser colocado em prática na comunidade?
Ana Regina Barbosa: O próprio plano de ação é um aspecto de transformação para essas mulheres, pois juntas pensaram em possibilidades de melhorias para a comunidade e para suas vidas nessa comunidade. Sim, já foram realizadas cinco ações planejadas no plano de ação, umas finalizadas e outras em continuação porque demandam mais tempo para uma finalização. Já foram iniciadas reuniões com a diretoria do posto de saúde e participação no conselho de saúde. Houve, também, uma visita a casa da mulher brasileira do Ceará com o objetivo de conhecer o equipamento que trabalha no combate à violência doméstica. Além disso, foram organizados momentos de lazer coletivo com objetivo de aumentar o vínculo entre as mulheres e um momento de autocuidado com a saúde mental e física com profissionais de nutrição e massoterapeuta.
A partir da pesquisa-ação desenvolvida e das necessidades mapeadas, existe a perspectiva de aperfeiçoamento do cuidado ofertado pela UBS local?
Ana Regina Barbosa: Sim, realizamos reuniões com a coordenação da unidade de saúde para apresentar o mapa desenvolvido pelas mulheres e os problemas nele mapeados. As mulheres estão participando do conselho local de saúde, nesse sentido, uma questão importante é que essas mulheres estão mais empoderadas e conscientes de seus direitos ao procurar atendimento na unidade de saúde.
Ana Regina Barbosa é autora da dissertação intitulada “Atenção primária, cuidado e vigilância popular da saúde com mulheres em território vulnerável de Fortaleza/CE”, aprovada em 13 de dezembro de 2022 no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde (Turma Ceará) da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob a orientação da professor Fernando Ferreira Carneiro.
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