Fala aê, residente: a atuação de novos profissionais na UBS

Nathállia Gameiro 30 de novembro de 2022


A Atenção Primária à Saúde (APS) se caracteriza como o primeiro contato das pessoas com o Sistema Único de Saúde (SUS) e teve um papel central para amenizar os efeitos da pandemia. Além do atendimento à população, o SUS é responsável pela formação profissional, compondo um rol de práticas de educação permanente, como as residências, que proporcionam a troca de conhecimento entre os profissionais do sistema, resultando assim na reforma das práticas profissionais e do próprio Sistema Único de Saúde.

Os programas de residência podem ser alternativa eficaz para a melhoria da qualidade da APS, tanto para as equipes quanto para os gestores municipais, estaduais e nacionais. O objetivo desses programas é a capacitação dos profissionais de saúde em área de serviço para que tenham uma completa vivência da dinâmica do serviço, do funcionamento das unidades, convívio com os pacientes, e possam atuar de forma mais globalizada, superando limitações decorrentes da formação acadêmica dos profissionais e capaz de atuar no território. Atualmente, o DF conta com 174 unidades básicas de saúde (UBSs) e ainda enfrenta grandes desafios, como a falta de profissionais para a grande demanda.


Nesta entrevista que inaugura a coluna da série de entrevistas do “Fala aê” com os residentes da Fiocruz Brasília, Micaela Lopes e Renata Cassimiro, estudantes da Residência em Atenção Básica da Fiocruz Brasília, uma das cinco ofertadas pela instituição, analisaram o trabalho dos profissionais residentes em duas unidades pesquisadas em uma região do DF.

O estudo permitiu verificar e analisar como se dá a inserção desse profissional, pelo olhar e percepção de profissionais e gestores. Para as autoras, o contato do residente com a população, proporciona a criação de um novo profissional, com uma nova visão, novas condutas, novas percepções e uma postura mais crítica e reflexiva. Foram entrevistados 22 profissionais, entre eles: agente comunitário de saúde, assistente social, dentista, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, gestor, médico, nutricionista, técnico de enfermagem, técnico  de saúde bucal, técnico administrativo e terapeutas ocupacional.

 

Confira a primeira entrevista da série Fala aê, residente:

 

Qual a percepção de gestores e profissionais de saúde sobre a importância da categoria do profissional residente para o serviço público de saúde?

Micaela e Renata: A partir da pesquisa podemos constatar que gestores e profissionais de saúde identificam o profissional residente como um agente provocador de mudanças e que acreditam que a presença desse profissional qualifica o processo de trabalho, produz inovações no serviço além de fortalecer os atributos da atenção primária à saúde, sendo um importante elo entre a academia e o serviço de saúde, trazendo ganhos extremamente relevantes para as unidades básicas de saúde a qual estão inseridos e para a comunidade como um todo. Sendo assim, a presença do residente é considerada uma efetivação de políticas públicas de saúde e uma ferramenta para qualificação do Sistema Único de Saúde.

Que impactos foram percebidos nas UBSs com a chegada dos residentes?

Micaela e Renata: Diversos foram os impactos relatados pelos  entrevistados, dentre eles estão a ampliação da qualidade do serviço, organização do atendimento de pessoas com condições crônicas, ampliação do acesso, criação de novos serviços, ampliação dos Recursos Humanos (RH), realização de discussão de casos, reflexão sobre a prática, união da equipe, ampliação da atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), ampliação do trabalho multidisciplinar, melhora da qualidade da assistência ao paciente, diminuição do estresse e incremento de inovações para o serviço.

Quais foram as dificuldades detectadas para receber e alocar os profissionais (estrutura física e organização do processo de trabalho das unidades, por exemplo)?

Micaela e Renata: Identificamos nas unidades pesquisadas que a estrutura física das UBSs acabou sendo um problema para receber profissionais residentes, pois as mesmas foram destacadas pelos próprios profissionais já efetivos como unidades com estrutura velha e até mesmo sem o espaço necessário para alocar novos profissionais. Um dos entrevistados afirmou que tiveram que se desfazer de mobília de algumas salas para poder receber novos profissionais. As questões relacionadas ao processo organizacional do trabalho envolveram dificuldades referentes à falta de profissionais nas unidades e à alta demanda de atendimento, questão essa que acabava refletindo sobre o profissional residente como uma “carga” que deveria suprir, o engessamento também da forma de trabalho de alguns servidores contribuía para que mudanças organizacionais fossem mais difíceis de serem feitas, já que o profissional residente, muitas vezes chega com novas ideias e uma vontade muito grande de inovar, entretanto, às vezes encontra dificuldade de mudar um serviço que é feito há muitos anos e sempre da mesma forma.

Como os residentes atuaram no início da pandemia de Covid-19 nas duas UBSs analisadas? Como esse trabalho foi visto pelo público entrevistado?

Micaela e Renata: Nas unidades pesquisadas os residentes estiveram presentes durante toda a pandemia, vivendo assim junto aos demais profissionais todo processo de enfrentamento à Covid-19, passando por todas as dificuldades e inseguranças que a atenção primária à saúde (APS) viveu. Os entrevistados consideraram a presença dos residentes neste momento com um fator extremamente relevante para a manutenção das atividades da APS, da promoção e prevenção à saúde como também o suporte e o atendimento aos sintomas respiratórios. Dentre as atividades executadas pelos residentes nas UBSs, foram elencadas pelos entrevistados a atuação no atendimento aos sintomáticos respiratórios, avaliação física, coleta e solicitação de exames, prescrição de medicamentos (conforme protocolo), acolhimento, triagem, organização de fluxo na unidade e acompanhamento de casos por tele-monitoramento.

 

Qual a importância das ações de educação continuada e permanente desenvolvidas pelos residentes?

Micaela e Renata: Diversos estudos que trazem essa temática, alegam que as residências em saúde devem ser formadoras de profissionais que venham se tornar lideranças científicas e técnicas, formando assim, profissionais que venham ser atores na construção do conhecimento. Dessa forma, em ambas as unidades pesquisadas foi relatada essa capacidade dos profissionais residente de formar projetos, de estar envolvido com o processo de educação em saúde, e isso foi destacado como algo muito positivo, tanto para unidade, como para o próprio profissional residente. Positivo por mudar a forma do serviço, tornando-o mais resolutivo, positivo por potencializar a capacidade de atendimento dos profissionais efetivos e também, do profissional residente.

De acordo com os dados coletados no trabalho, vocês acreditam que os residentes precisam passar por alguma preparação para intervir nas áreas de necessidade da comunidade?

Micaela e Renata: Sim, acreditamos! Muitas vezes o profissional residente é “mandado” para o serviço e às vezes acaba “caindo de paraquedas”, sendo reconhecido como uma mão de obra extra e não como um profissional em formação. Acreditamos que se houver, em um primeiro momento, um reconhecimento da sua área de atuação, da população adscrita dessa área, das suas potencialidades e dificuldades e de como o serviço atua frente a esse quesitos, o residente tenha mais facilidade e expertise para lidar com o serviço, tornando-o o mais resolutivo possível.

 

Micaela Silva Lopes e Renata Michele Cassimiro da Silva são autoras do trabalho “Atuação de residentes em Unidades Básicas de Saúde da região oeste do Distrito Federal: Percepção de Profissionais de Saúde”, defendida em 16 de fevereiro de 2022, sob orientação da professora Juliana Felix da Silveira. 

Clique aqui para ler outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. 

 

Fotos: SES-DF