Fiocruz Brasília participa de encontro sobre inovação social

Mariella de Oliveira-Costa 23 de outubro de 2020


Mariella de Oliveira-Costa 


Um em cada quatro adultos brasileiros estava obeso em 2019. O percentual, mensurado pela Pesquisa Nacional de Saúde e divulgado esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passou de 12,2% em 2002/2003 para 26,8% em 2019. No outro extremo nutricional, o quadro é igualmente preocupante: 10,3 milhões de pessoas passaram por pelo menos um momento de insegurança alimentar grave, o que significa um lar com crianças e adultos com fome, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares divulgada pelo IBGE no mês passado.

 

Esses dados fizeram parte da análise que a professora da Universidade de Brasília (UnB) Elizabetta Recine apresentou durante a 2ª edição do Ciclo de Encontros Online Inovação Social em Territórios Saudáveis e Sustentáveis no Contexto Pandêmico e Pós-Pandêmico, nesta quinta-feira, 22 de outubro. A atividade foi promovida pela Fiocruz, BNDES e Embrapa. Elizabetta refletiu sobre como a insegurança alimentar no Brasil tem sido agravada, ou seja, mais famílias e pessoas sem alimentos com a quantidade e a qualidade adequadas, situação mais crônica ainda nas regiões Norte e Nordeste. A segurança alimentar e nutricional é resultado de processos históricos da sociedade civil brasileira, e consiste no acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades básicas. Esse conceito está baseado na alimentação promotora de saúde, que respeita a diversidade de culturas e a sustentabilidade. “O conceito de segurança alimentar e nutricional operacionaliza o direito humano à alimentação adequada, que foca no acesso regular, permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudáveis em quantidade e qualidade adequadas e suficientes conforme cada cultura”, disse.

 

Da Fiocruz Brasília, a coordenadora do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin), Denise Oliveira e Silva, apresentou a iniciativa da Fiocruz que, em maio, lançou um edital inovador destinando 500 mil reais para apoiar ações emergenciais, sendo um dos itens dessa chamada pública a segurança alimentar e nutricional. Com a urgência da pandemia, a proposta da instituição foi apoiar as estratégias desenhadas pelas populações que, por vezes, passam ao largo dos laboratórios de pesquisa. Ao todo, foram aprovados 145 projetos de todo o país, que solicitaram recursos entre 10 a 50 mil reais cada um.

 

“Na implementação dos projetos aprovados, os cientistas não são os únicos detentores do conhecimento, mas atuam como curadores desse saber, apoiando essas populações”, disse Denise, vice-diretora da Fiocruz Brasília. Aspectos como o respeito à pluralidade e aos modos de vida das pessoas, que nem sempre são enquadrados por unanimidade nas linhas científicas, além da solidariedade, o compartilhamento de conhecimento e o diálogo entre pesquisadores e comunidade, têm feito com que os 60 cientistas que atuam como curadores das iniciativas aprendam com a sabedoria local.

 

“A ciência ainda é palco de uma elite que teve acesso aos processos de ensino e pesquisa, com valores de status que nem sempre trazem uma ciência cidadã. As soluções para esses locais não passam só pela ciência tradicional”, afirmou Denise. Segundo ela, os oito projetos sobre soberania alimentar e nutricional apresentam estratégias para fortalecer redes locais e a produção de alimentos em agroecologia, em sua maioria. Um dos projetos, por exemplo, recebeu 25 mil reais para gerar emprego e renda para mulheres costureiras da comunidade. Denise está acompanhando como o recurso que elas produzem vai impactar na segurança alimentar das famílias. “ Essa experiência mostra que o conceito de saúde não é limitado só pelo que é ensinado na faculdade. Estamos aprendendo novos conceitos de saúde, que passam pela terra, pela reforma agrária e pela superação do racismo que ainda existe na sociedade brasileira. Trazer esse olhares diferenciados nos auxiliam a ampliar o conceito de saúde“, destacou.

 

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Niederle apresentou os sistemas agroalimentares sustentáveis, falou como a agroecologia ganhou espaço durante a pandemia, assim como o setor de ultra-processados, e criticou o recente movimento político contrário ao Guia Alimentar para a População Brasileira. Ele comentou diferentes formas de conexão entre produtores e consumidores, que vão desde as plataformas criadas especificamente para isso até o uso de serviços de mensagens pelo celular para troca e entrega de alimentos durante a pandemia. “A política de comercialização que existe para o agronegócio tem impacto orçamentário maior que o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, então é necessário cobrar o fortalecimento destas políticas e a criação de outras. Não é possível excluir as inovações que já estão aí, nem ignorar o Estado como um parceiro estratégico, porém hoje o Estado brasileiro não é parceiro da agricultura familiar”, afirmou.

 

Durante a atividade, diferentes agricultores puderam tirar dúvidas com os pesquisadores e apresentar seus desafios neste período.