Nathállia Gameiro
A capital federal registou na última sexta-feira, 3 de julho, 1.715 novos casos de covid-19, de acordo com dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). Ao todo, são 53.996 casos confirmados. Os óbitos somam 643 (até o dia 3), sendo 55 moradores de outros estados que estavam sendo atendidos nos hospitais do DF.
“A doença entrou pelo aeroporto vindo com a parcela mais rica da população e agora se espalha pelo território nacional, interiorizando-se especialmente nas periferias, onde a classe trabalhadora vive”, afirmou Wagner Martins, coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília e um dos idealizadores da Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da Covid-19 (PICAPS). A afirmação foi feita durante encontro online da Picaps com moradores das regiões administrativas do DF, realizado na última sexta-feira (3/7).
No final de março, o Plano Piloto, seguido do Lago Sul, Sudoeste e Águas Claras, concentravam o maior número de casos da capital. No início de julho, a maior parte dos infectados vive na periferia, que também agrupa o maior número de mortes. Ceilândia lidera a lista como a região administrativa com mais casos confirmados e óbitos pelo novo coronavírus, com 7.397 casos e 129 mortes. Em seguida, vem o Plano Piloto com 3.784 casos, Samambaia com 3.753, Taguatinga com 3.746 e Gama com 2.584. Confira o infográfico comparativo
O avanço do novo coronavírus escancara as desigualdades sociais existentes em menos de 30 km de distância, que separam Ceilândia do centro da capital federal. Evidencia também a vulnerabilidade de grande parte da população do DF que enfrenta condições precárias de moradia, falta de água e saneamento básico e que tem dificuldade para garantir o distanciamento e isolamento social, em casas com muitos moradores e a necessidade de utilizar transporte público diariamente para manter o emprego e garantir o sustento da família.
Durante o encontro, pesquisadores e representantes da Fiocruz Brasília se juntaram às comunidades do DF para pensar em estratégias para diminuir os impactos do avanço do novo coronavírus nos territórios e na vida dos moradores, pensando na realidade de cada região. A preocupação maior, segundo Wagner Martins, é o agravamento da contaminação e dos casos mais graves diante da decisão do governo do DF de reabertura total do comércio e o retorno das aulas presenciais nos próximos dias, “principalmente nas áreas onde a população em situação de vulnerabilidade habita. Os pesquisadores apontam para uma nova situação em que a disseminação da doença vai acontecer de forma mais acelerada e dificultar o acesso a hospitais e unidades de saúde a quem mais necessita”, explicou.
O economista apresentou dados recentes de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no qual moradores de 3,5 milhões de domicílios do país viveram apenas com renda do auxílio emergencial de R$ 600 pagos pelo governo em maio. Para ele, a sociedade precisa mobilizar as forças políticas no território para resolver os problemas enfrentados no cotidiano com conhecimento científico, dando vazão às demandas e exigir ações mais contundentes para mitigar a epidemia.
Wagner lembrou ainda da atuação da Fiocruz em diferentes linhas: pesquisa, vacina, produção de medicamentos, políticas sociais para encontrar caminhos com a população para o enfrentamento das consequências e os impactos que a pandemia traz, além de formação de pessoas.
Vigilância popular
Para a enfermeira Juliana Acosta, integrante do projeto Periferia Viva, a ação da Fiocruz é importante para articular movimentos sociais e serviços. Ela ressalta que é preciso reforçar a vigilância popular, “do povo cuidando do povo”, por meio da garantia de direito.
O coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz Brasília (PSAT), Jorge Machado, destacou a atuação dos residentes da instituição nas unidades de saúde das comunidades do DF para acompanhar as condições de vida das populações no território e buscar a redução da transmissibilidade e da gravidade da doença, aliado à vigilância popular, como uma ação de política pública organizada pela população e que busca construir autonomia. “A vigilância popular é uma ação que deveria ser incorporada como item do sistema de saúde. É uma possibilidade de trabalhar com sistema integrado da atenção básica em todos os componentes tecnológicos, também na pós- pandemia”, disse.
O empoderamento do território também foi destaque da fala da pesquisadora da Fiocruz Brasília Sheila Lima, integrante da Picaps. Ela afirmou que, com a plataforma, a comunidade pode informar as situações cotidianas que afetam suas condições de vida e monitorar o próprio território com relação à covid-19. O pesquisador Osvaldo Bonetti, integrante do Radar de Territórios Covid-19, lembrou que não há política bem sucedida se não tiver a participação de todos os sujeitos. “É preciso fortalecer a participação, os saberes e estratégias que a comunidade constrói no próprio território”, disse.
O encontro contou com a participação da médica sanitarista Lilian Gonçalves, da Rede de Médicas e Médicos Populares, que apresentou o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de covid-19, assinado por entidades da área da saúde. O documento apresenta estratégias como isolamento social e medidas de biossegurança da população e dos profissionais de saúde para o combate ao novo coronavírus. Lilian destacou que a pandemia não é problema exclusivo do setor saúde, mas de todos os setores de governo, as esferas da sociedade e a economia. “Neste momento, ela traz consequências na saúde, mas os impactos sociais, econômicos e psicológicos ainda vão ser vistos de forma mais clara”, afirmou.
O pensamento é compartilhado pela psicóloga e integrante da Rede Social do Guará Leide Coelho. “A saúde sozinha não dá conta. Ela funciona com a articulação de outras redes de serviço como de segurança, assistência, seguridade social, associações e instituições somando esforços para chegar ao território”, enfatizou.
As outras necessidades e estratégias mais urgentes elencadas pelos participantes para frear o avanço do novo coronavírus nas regiões administrativas do DF foram a formação de agentes populares, formação da comunidade para produção e entrega de informações sobre a doença, articular doações para ajudar os mais vulneráveis e promover economia solidária.
A Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da Covid-19 (PICAPS) foi idealizada pela Fiocruz, em parceria com as Secretarias de Saúde e de Ciência, Tecnologia e Inovação do Distrito Federal, a Universidade de Brasília (UnB) e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF). A iniciativa integra a atenção primária e a vigilância à saúde para o monitoramento do novo coronavírus nos territórios, e com informações de qualidade sobre a doença, que potencializam as ações e as propostas de intervenções. Além disso, oferece suporte técnico, científico e emocional para os trabalhadores do SUS. Saiba mais aqui.
No dia 26 de junho, a Fiocruz Brasília realizou encontro com as rádios comunitárias para entender as maiores dificuldades dos comunicadores para repassar as informações sobre a covid-19 às comunidades. Além desta, já foram realizadas diversas ações nas comunidades, pensadas com os moradores e residentes da Fiocruz Brasília que estão trabalhando nas unidades de saúde das regiões administrativas do DF.