Fiocruz participa de audiência na Câmara sobre situação da pandemia através de inquéritos sorológicos

Nathállia Gameiro 9 de julho de 2020


Nathállia Gameiro

A evolução do coronavírus no Brasil foi apresentada durante audiência nesta quarta-feira (8/7) na Câmara dos Deputados. O evento reuniu  especialistas e mostrou resultados de inquéritos sorológicos (pesquisa para identificar a imunidade da população) em contexto nacional, e em Belo Horizonte, São Paulo e Fernando de Noronha.

 

A estimativa média da população infectada no Brasil é de 4%, sendo 10% de moradores da região Norte do país, de 7 a 8% do Nordeste, menos de 1% do Sul, 2% do Sudeste e cerca de 1% do Centro-Oeste. Este é um dos resultados da Epicovid-19, pesquisa coordenada pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e financiada pelo Ministério da Saúde, que busca medir a prevalência do coronavírus e avaliar a velocidade de expansão no país. Por meio da testagem aleatória da população, é possível mapear os locais onde há maior concentração de infectados, o nível de anticorpos da pessoa testada e definir medidas de contenção da doença. A Epicovid-19 está sendo realizada em 133 cidades e municípios.

 

A diferença regional marcante foi destacada pelo reitor da UFPel e coordenador do Inquérito Nacional do Ministério da Saúde, Pedro Hallal. “Estamos falando de um país gigante, cujas próprias regiões são maiores que a maioria dos países da Europa e que estão em estágios muito divergentes da pandemia”, explicou. As regiões mostram um aumento similar de número de casos, embora estejam em estágios diferentes, com exceção do norte. Ainda que seja a região mais afetada, o Norte é a única região que, entre a segunda e terceira fase, não apresentou aumento e já gerou um decréscimo de número de morte e de número diário de casos.

 

A pesquisa mostrou ainda que a população vulnerável é a mais atingida pela covid-19. Há um crescimento cada vez maior do vírus nos bairros periféricos. Os grupos mais pobres tiveram o dobro do risco de terem infecção que os grupos mais ricos. “Esse resultado é marcante justamente por se tratar de uma doença que chegou de avião pelos grupos mais ricos do Brasil, mas, a partir de maio, se tornou uma doença mais frequente nos grupos mais pobres da população. A tendência é que as diferenças se acentuem com o passar do tempo”, afirmou Hallal. A desigualdade étnico-racial também é constatada. As pessoas que se autodeclararam indígenas têm um risco cinco vezes maior de contrair a doença.

 

O coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio, afirmou que era esperado que a covid-19 seguisse o padrão de outras enfermidades, especialmente as desigualdades de doenças infecciosas, em que há maior prevalência nas áreas mais carentes, com aglomerados urbanos maiores e maior quantidade de pessoas por metros quadrado, com condições mais restritas para sobrevivência. O pesquisador explicou que a transmissão é maior, pois grande parte dessa população está mais exposta e precisa se deslocar para o trabalho utilizando meios de transporte coletivo superlotados. A proximidade das pessoas no transporte, mesmo usando máscaras, contribui para o aumento dessa transmissão. “O que é mais doloroso é que essa população já mais sofrida também é a que está proporcionalmente morrendo mais. É a perpetuação de um processo de desigualdade social que a gente infelizmente vive no país”, lamentou.

 

O infectologista destacou ainda que outro dado esperado para as doenças virais é a movimentação a partir dos grandes centros urbanos para as áreas mais afastadas, a interiorização da doença, dentro das regiões e entre regiões do país. “O período de maior circulação de infecções respiratórias nas regiões Centro-Oeste e Sul é depois do final de maio e início de junho. O que está acontecendo hoje era esperado e está seguindo o padrão de outras enfermidades”, disse. 

 

O coordenador do Inquérito Nacional, Pedro Hallal, apresentou também como resultado a diferença entre o que aparece como casos confirmados nas estatísticas oficiais e a projeção da população com anticorpos nos testes sorológicos. “A imprensa tende a chamar esses dados de subnotificação e está equivocado. Não faz sentido tratar como subnotificação alguém que não teve sequer sintomas e que teve um teste de anticorpo positivo”, explicou. De acordo com ele, a diferença é de cerca de seis vezes entre o número estimado pela pesquisa e o número que aparece nas estatísticas oficiais.

 

A idade dos infectados e a sintomatologia da covid-19 foram abordados por Hallal. Segundo a pesquisa, as crianças contraem a doença na mesma intensidade que adulto, mas a gravidade do caso é menor. E os sintomas mais frequentes nos infectados são perda de olfato e paladar, febre e dor no corpo. O coordenador da pesquisa afirma que esse dado permite discriminar com bastante confiança uma pessoa que tem risco aumentado de ter covid-19 e pode ser utilizado pela Vigilância Sanitária.

 

Cerca de 1,16 milhão de pessoas do município de São Paulo (9,5% da população) têm anticorpos para o Sars-CoV-2. O leste e o centro-oeste do município são os mais acometidos. A prevalência é maior em pessoas entre 35 e 49 anos, pardos, com renda nas faixas de classe D e E, que nunca estudaram, residências com cinco ou mais moradores com mais de 18 anos e que trabalham fora e não puderam praticar as medidas de distanciamento social. O percentual de assintomáticos foi de 32,8%. Esses resultados foram apresentados na primeira fase do inquérito sorológico realizado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. O resultado da segunda fase será divulgado nesta quinta-feira (9/7).

 

O secretário municipal de Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, afirmou que será realizado controle mais acentuado no território e iniciativas para o controle da disseminação do vírus nas 14 áreas com maior número de casos confirmados e suspeitos. Uma das ações é a ampliação das testagens, incluindo até cinco familiares da pessoa que testou positivo para a covid-19. “O inquérito foi elemento importante, não só pelos números, mas para estarmos um passo à frente da doença no município”, ressaltou.

 

A experiência bem sucedida da ilha do arquipélago de Fernando de Noronha também foi apresentada durante a audiência. “É a única área geográfica do país sem transmissão comunitária e a população 100% acompanhada”, lembrou o professor associado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Paulo Goes. Ele contou que a ilha passou por medidas duras de isolamento social, decretos e controle restrito de entrada e saída de moradores, que permitiram frear a transmissão do novo coronavírus no local. Das 904 que participaram do inquérito, 43 testaram positivo. A pesquisa foi realizada com o apoio da Fiocruz, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira e da UFPE.

 

Já o inquérito realizado pela Agência Nacional de Águas (ANA) buscou avaliar a concentração do novo coronavírus no esgoto de Belo Horizonte. Foram acompanhadas as estações de tratamento Onça, na região Nordeste da cidade e Arrudas, na Grande Belo Horizonte. A maior prevalência do vírus foi na estação Onça, onde reside a população mais carente e mais vulnerável. Foi observado também um aumento expressivo da população infectada, de 20 para 50 mil pessoas em uma semana, o que, segundo Sergio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA, indica que as medidas de prevenção e controle para evitar a disseminação do vírus deveriam ser intensificadas.

 

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros, afirmou que os inquéritos sorológicos são essenciais para a criação de estratégias de combate ao vírus e destacou a atuação da Atenção Básica para o avanço da testagem.


Solução

 Rivaldo Venâncio ressaltou que a ciência ainda não tem todas as respostas para o novo coronavírus, pois o processo de construção de conhecimento sobre uma determinada doença leva tempo, inclusive para que os pesquisadores tenham uma segurança maior quanto ao futuro reserva. Ele lembrou do surgimento do HIV no Brasil, em que, no início, era necessário que o portador tivesse muitas cópias do vírus HIV na corrente sanguínea para que o exame de carga viral pudesse detectar a doença. A ciência e o conhecimento científico tecnológico evoluíram em relação ao diagnóstico e a sensibilidade reduziu, até que se chegou a dezenas de cópias do vírus detectadas por mililitro (ml) de sangue. 

 

O pesquisador da Fiocruz acredita que a solução plausível para o enfrentamento da covid-19 é observar as experiências internacionais e as evidências científicas, além de envolver o conjunto da população, os poderes públicos local, municipal, estadual e federal, as associações, poderes não governamentais, a sociedade civil organizada, as universidades e instituições de pesquisa.

 

Para ele, depois da gripe H1N1 e a emergência do HIV e da Aids, o novo coronavírus é o maior problema de saúde pública que a humanidade já enfrentou, que vem matando profissionais de saúde no exercício do seu trabalho como nunca se viu antes. “Diante do problema dessa magnitude que já encontra desigualdades e dificuldades na rede assistencial que já observávamos ao longo de décadas – de um país em crise econômica e pessoas subempregadas que trabalham de dia para poder comer a noite, que gostariam de atender as recomendações de distanciamento social, mas não têm como – estaríamos desperdiçando uma oportunidade histórica de dar uma resposta diante desse grave problema. Nós ainda, infelizmente, vamos chorar muitas mortes se não houver um esforço coletivo nesse sentido”, destacou.

 

A atuação da Fiocruz no combate à covid-19 foi destacada na audiência. Para o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), ex-minsitro da Saúde, a Fundação é um orgulho para o Brasil e um patrimônio do SUS. Em fevereiro, a instituição entregou cerca de mil testes ao Ministério da Saúde. Em março, 55 mil, e a previsão é de entrega de 2 milhões de testes neste mês de julho.

 

O deputado vê o debate como oportunidade de apresentar a expertise e a qualidade das instituições públicas sólidas que tenham continuidade nos seus quadros e capacidade técnica que trazem evidência científica. Ele ressaltou a importância do uso de máscaras para reduzir o risco de transmitir a doença para outras pessoas pelas gotículas de saliva e lembrou da responsabilidade do poder público e empresas de fornecer máscaras para a população mais vulnerável.

 

A deputada Carmem Zanotto (Cidadania – SC) destacou o debate com os especialistas como essencial para que os gestores tenham mais informações e possam tomar as decisões. “Quanto mais dados tivermos, melhor é para atuarmos junto aos órgãos para o fortalecimento das ações que se fazem necessárias”, completou.

 

Durante audiência, foi lembrado o Dia Nacional da Ciência e o Dia do Pesquisador Científico, comemorado no mesmo dia da realização do debate (8/7). Confira a audiência completa