A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, participou nesta terça-feira, 16 de março, de audiência pública na Câmara dos Deputados, sobre a situação da vacinação contra a covid-19 no Brasil. A partir de abril, a Fiocruz vai passar a produzir mais de 20 milhões de doses por mês. No início de fevereiro, a Fiocruz recebeu o primeiro lote do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), e o registro definitivo para produção nacional pela instituição foi obtido no fim da semana passada, em 13 de março.
A partir da chegada do IFA, a Fiocruz é responsável por toda a formulação da vacina e não apenas o seu envase. Por tratar-se de um processo tecnológico diferenciado das outras vacinas, o início da nova produção não é simples, e a perspectiva é escalonar usando duas linhas de produção, pois o espaço produtivo foi adequado sem desabastecer o SUS, já que há outras entregas permanentes da Fiocruz. “Estamos em tratativas para receber doses extras do IFA, e ampliar ao máximo a nossa oferta. Para a produção do IFA nacional, estamos adequando nossas instalações a partir da medida provisória do acordo de encomenda tecnológica, e vamos buscar junto à Anvisa o registro para esse novo local de produção do IFA”, afirmou a presidente. A expectativa é que, a partir do segundo semestre deste ano, a Fiocruz entregue uma vacina 100% nacional.
O Brasil aderiu ao consórcio Covax Facility em 25 de novembro do ano passado, contratando por esse instrumento 42.511.800 doses de vacinas. Dessas, 9.122.400 doses Oxford/AZ (laboratório coreano SK Bioscience) chegariam ao Brasil até o mês que vem, mas apenas 2,997 milhões de doses foram confirmadas até agora.
Está previsto que, entre os dias 19 e 20 de março, chegue um carregamento de cerca de 1 milhão doses, e o segundo carregamento, com aproximadamente 1,9 milhão doses, ainda não tem data de entrega.
Nísia também destacou a efetividade da vacinação, a partir de estudo com 5,4 milhões de escoceses, dos quais 1,1 milhão – cerca de 20% da população – receberam a primeira dose das vacinas Pfizer ou Oxford (a vacina da Fiocruz). De dezembro até meados de fevereiro, mais de 8.000 pessoas foram hospitalizadas com covid-19 naquele país, mas apenas 58 eram do grupo vacinado. O estudo trouxe uma taxa de efetividade de 94% para a vacina de Oxford. Essa vacina tem autorização de comercialização ou uso emergencial em mais de 70 países. Na União Europeia e no Reino Unido, já foram vacinadas mais de 17 milhões de pessoas.
A Fiocruz pesquisa também a vigilância genômica como estratégia contínua para detecção de mutações e variantes do Sars-Cov-2 no Brasil, e os resultados demonstraram eficácia da resposta para as três variantes com o uso de sua vacina. “Quanto mais vacinarmos, menos risco de desenvolvimento de novas variantes e mais proteção nós teremos. Temos uma agenda imediata de entrega da vacinas, mas uma agenda de médio e longo prazo deve rever o funcionamento do complexo econômico industrial da saúde, para fortalecer essa capacidade de produção nacional. Será preciso repensar essa ordem global que hoje permite que países fiquem com cinco vezes o número necessário de vacinas para a sua população, enquanto países como o nosso não têm um número maior de doses, sem contar os países da África e outros que estão também com essa dificuldade de acesso à vacina”, disse.
O diretor de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Mauricio Zuma, reforçou que a Fiocruz trabalha com produção 24 horas por dia, sete dias por semana. Segundo ele, nem todas as atividades são realizadas todos os dias, pois o envase requer algumas interrupções, já que é atividade sensível e com risco de contaminação muito grande. Zuma ressaltou também que há um cronograma acertado com a AstraZeneca e que a Fiocruz informa ao Programa Nacional de Imunização (PNI) periodicamente sobre as entregas, para que façam a programação de distribuição das vacinas aos estados ao longo do mês.
A coordenadora geral do PNI, Francieli Fontana, apresentou o contexto da atuação do Ministério da Saúde para a vacinação, a partir do histórico da Câmara Técnica criada em agosto de 2020, que já realizou mais de 35 reuniões para definição dos grupos prioritários, os indicadores de monitoramento, os intervalos entre as doses, e a estratégia de vacinação, entre outros temas. Ressaltou que, em um cenário de escassez de vacinas, se trabalha com a priorização dos grupos de risco. Até o fim desta semana, uma nova versão do plano de operacionalização será publicada no site do Ministério da Saúde. Segundo ela, foram enviadas 24,7 milhões de doses para estados e municípios atenderem 13,7 milhões de brasileiros. O trabalho do PNI começa após o registro da vacina na Anvisa, e tudo o que for falado sobre outras vacinas que não foram analisadas pela Anvisa não é contabilizado no cronograma nacional. “Não podemos criar expectativa sem a garantia de que a vacina será realmente entregue, ” alertou.
O gerente geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes Lima Santos, explicou os trâmites da Anvisa e critérios mínimos de segurança à imunização nacional. Falou sobre o registro condicional de uma vacina a partir de estudos completos de qualidade, segurança e eficácia, com assinatura de termo de compromisso de apresentação futura de dados que ainda estão sendo coletados, apresentou os trâmites e prazos relacionados à autorização de uso emergencial, descreveu o Covax Facility, e também o instrumento de importação excepcional e temporária não só para a União, mas também para estados, municípios e Distrito Federal, caso ocorra alguma carência no Plano Nacional de Imunização. “A Agência não é uma barreira à imunização”, afirmou. A situação atual das autorizações de novas vacinas também foi apresentada, e o gerente adiantou que a Anvisa acompanha os estudos de três novas vacinas nacionais em fase não-clínica, desenvolvidas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, na Universidade Federal do Rio de Janeiro e também na Universidade Federal de Minas Gerais, cada uma delas com diferentes parceiros.
O representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Nereu Henrique Mansano, ressaltou que o início da vacinação foi difícil, com polêmicas desnecessárias que trouxeram descrédito ao PNI, mas esse antagonismo em relação à vacina foi resolvido, segundo ele, e já se tem uma mudança de postura. Destacou que a vacinação é importante e que demais medidas de maior rigor devem ser tomadas a curto prazo para evitar o colapso. “É importante não só testar e retestar a população, mas cuidar, fazer o isolamento dos casos positivos e monitorar todos os contatos”, disse ele, ressaltando que é necessário um plano nacional de comunicação que traga medidas de prevenção e informações sobre a vacina, para comunicar melhor quais grupos estão sendo vacinados naquele momento, bem como a eficácia da vacina.
Concordou com ele o membro da diretoria executiva do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Hisham Mohamad Hamida, ressaltando a necessidade de mais clareza na comunicação do cronograma do PNI, para descomplicar o trabalho dos estados, municípios e serviços de imunização, evitando desperdício e a polarização dos movimentos anti-vacina. Ele lembrou a necessidade de capacitação dos profissionais da atenção básica para o trabalho com a imunização a partir de diferentes vacinas.
O gerente de inovação do Instituto Butantan, Cristiano Gonçalves, afirmou que o Laboratório Sinovac está disposto a trabalhar com o Butantan para trazer prioritariamente as vacinas para o país e antecipar o cronograma previsto. O Instituto aguarda a liberação de 14 milhões de doses para abril. Além disso, há um contrato para entrega de 54 milhões de doses ao Ministério da Saúde até setembro. Até o fim do ano, terão início as atividades em uma nova fábrica do Butantan, em construção.
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