Inovar em tecnologias para prevenir, diagnosticar e tratar doenças, e assegurar que todas as pessoas – sobretudo as que mais necessitam – tenham acesso a essas tecnologias. Este desafio não é novo, mas se tornou ainda mais evidente com a pandemia de Covid-19. O desenvolvimento regional e a integração de esforços podem ser a chave para uma resposta efetiva ao problema. Foi o que reafirmaram diversas autoridades de saúde nacionais e internacionais que estiveram na Fiocruz Brasília, na última segunda-feira (20/11), para um evento no contexto da 43ª Reunião do Conselho Executivo da Unitaid.
A Unitaid é uma iniciativa global em prol da expansão do acesso a inovações em saúde para o enfrentamento de HIV/Aids, tuberculose e malária, entre outros. Pela primeira vez, em 2023, o Conselho Executivo da organização, que é parceira da Fiocruz, reuniu-se em Brasília. “Para nós é uma honra sediar este evento que tanto dialoga com as nossas prioridades”, afirmou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio.
A programação foi dividida em dois painéis de debates. O primeiro, sobre acesso à inovação, contou com as participações da ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, e da presidente do Conselho Executivo da Unitaid, Marisol Touraine. A moderação foi feita por José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde. Conduzido pelo presidente da Fiocruz, Mário Moreira, o segundo painel reuniu Philippe Duneton, diretor executivo da Unitaid; Mariangela Simão, diretora presidente do Instituto Todos pela Saúde; Tomás Pippo, representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS); e Debora Melecchi, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Eles discutiram desafios e oportunidades para superar as lacunas de acesso a novas tecnologias em saúde.
Na primeira parte do evento, a ministra Nísia lembrou a trajetória da política brasileira de acesso à inovação, que foi construída, depois desconstruída e está agora em reconstrução. “Uma história que serve ao aprendizado de que o Complexo Econômico Industrial da Saúde deve ser orientado pelas necessidades da população, assim como a pesquisa e o desenvolvimento em saúde para a equidade”, defendeu.
Para Marisol, ex-ministra da Saúde da França, reduzir a desigualdade de acesso à inovação em saúde requer vontade e atuação políticas. Segundo ela, o debate sobre a produção em saúde não pode se resumir à perspectiva técnica, pois é a sua dimensão política que assegura ou não condições de acesso equitativo aos produtos. A pandemia foi um trágico e emblemático exemplo, em que poucos países detinham a capacidade de produzir e adquirir as vacinas das quais o mundo inteiro dependia. “Se queremos acesso equitativo, precisamos discutir politicamente estratégias para modelar e facilitar a produção regional”, argumentou a atual presidente do Conselho Executivo da Unitaid.
Como é inviável que cada país seja capaz de produzir tudo localmente, a organização regional e colaborativa é uma agenda prioritária na preparação dos países para futuras epidemias. “A América Latina não começa do zero. Ela tem uma base tecnológica, além de uma cultura de colaboração. Todos os países não podem produzir tudo, mas todos têm algo para contribuir”, afirmou o representante da OPAS/OMS, Tomás Pippo, na segunda parte do evento. Na ocasião, foram citados exemplos recentes como uma formação sobre vacinas ofertada pela Fiocruz a profissionais do Mercosul, a transferência da tecnologia da vacina de febre amarela do Brasil para a Argentina, e a incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) de um medicamento inovador para malária.
As falas convergiram para a necessidade de se garantir que a saúde seja pauta central, e não paralela, nas diversas instâncias internacionais, conforme assinalou o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, responsável pela síntese dos debates, no encerramento do evento. “Saúde é desenvolvimento sustentável”, disse, ao sublinhar suas implicações econômicas, sociais e ambientais. Ressaltou também que não se pode ser ingênuo a ponto de achar que o mercado se comportará como Estado, e é justamente por isso que Estados nacionais e organismos internacionais devem intervir e induzir investimentos que reduzam as desigualdades – o que inclui o enfrentamento das chamadas doenças negligenciadas. “Disruptivo é pensar um sistema de inovação e produção que verdadeiramente dialogue com a questão do acesso. Do contrário, serão apenas mais projetos para tudo continuar como está”, provocou.
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