Mais de 60% dos casos de violência contra a pessoa idosa ocorrem nos lares

Nathállia Gameiro 14 de junho de 2019


Para pesquisadora emérita da Fiocruz Cecília Minayo, o envelhecimento da população, ocorrido de forma acelerada no Brasil, não deve ser considerado um problema, e sim um bônus social

 

Nayane Taniguchi

 

Mais de 60% dos casos de violência contra idosos ocorrem nos lares. Este contexto não se refere só ao Brasil, e sim internacionalmente, segundo dados apresentados pela pesquisadora emérita da Fiocruz, Cecília Minayo, durante palestra realizada em Brasília no dia 13 de junho, intitulada Violências contra a pessoa idosa e estratégias para reduzi-las.

 

 15 de junho, próximo sábado, marca o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, instituída em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa (INPES).

 

“Dois terços dos agressores são filhos, que agrigem  mais que filhas, noras ou genros, e cônjuges, nesta ordem. Os idosos quase não denunciam, por medo e para protegerem os familiares”, diz. De acordo com Minayo, normalmente os agressores vivem na casa com a vítima, são filhos dependentes do idoso e idoso dependente dos familiares, filhos ou idosos que abusam de álcool e drogas, pertencem a famílias pouco afetivas ao longo da vida e isoladas socialmente. Entre as vítimas de violência estão idosos que tiveram comportamento agressivo com a família ao longo da vida e famílias com histórico de violência. Em relação aos cuidadores, inserem-se no contexto da violência aqueles que tenham sido ou continuam sendo vítima de violência, que sofrem depressão ou outro tipo de sofrimento mental e em situação de exaustão. “A violência é uma forma de comunicação, se me comunico gritando, batendo, explorando, desprezando, abusando. Famílias violentas colhem violência”, ressaltou. 

 

O envelhecimento da população tem ocorrido de forma acelerada no Brasil. A população nacional possui, atualmente, mais de 30 milhões de idosos. Por ano, mais de 600 mil pessoas, em média, passam a integrar esta parcela da sociedade. Nos últimos 30 anos, a população de 60 anos cresceu 21,6%, e com mais de 80 anos,  mais de 45%; 85% da população brasileira idosa é  considerada saudável, de acordo com as informações apresentadas por Minayo. Em 1950, a média de idade dos brasileiros era de 50 anos, e, atualmente, 76. As mulheres têm expectativa de vida maior que a dos homens (79 e 74 anos, respectivamente), que, só não é maior devido à violência, de acordo com a pesquisadora.

 

Acerca das taxas de mortalidade por causas externas, os dados de 2016, consolidado mais recente disponibilizado pelo Ministério da Saúde, indicam as quedas (46,5% feminino e 27,9% masculino), acidentes de transporte (12,5% feminino e 25,1% masculino), agressões (2,9% feminina e  11,8% masculino), lesões autoprovocadas (3% feminino e 8,6 % masculino), e eventos com intenção indeterminada (12,7% feminino e 9,7% masculino). Uma pessoa idosa que cai e tem um traumatismo craniano tem probabilidade alta de morrer no primeiro ano após a queda. A queda pode ter relação com fragilidade, equilíbrio, osteoporose, ou com negligências sociais em relação à pessoa idosa, seja dentro de casa, nas travessias, nas calçadas e nos transportes públicos”. 

 

Com relação à internações das pessoas idosas,  os acidentes de trânsito e as quedas são predominantes. “Estas últimas vitimam, sobretudo, mulheres na faixa dos 70 anos ou mais. Porém, é evidente nos dados o crescimento de óbitos por sufocação, indicando falhas nos serviços assistenciais e ausência de prestação de cuidados familiares e médicos”, alerta. “Todas essas questões indicam que os idosos estão morrendo por causas externas que poderiam ser evitadas”, destaca. 

 

“As mulheres são mais vulneráveis em casa e os homens, mais agredidos na rua. De ambos os sexos, os mais vulneráveis são os dependentes sociais, física ou mentalmente, sobretudo os que sofrem alterações do sono, incontinência, dificuldades de locomoção e necessitam de cuidados constantes”, alerta Minayo. Estudos indicam que entre 5% e 10% dos idosos sofrem tipos de violência que não geram lesões, no ambiente familiar ou na comunidade.

 

Outros dados, apresentados no Seminário Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa: das ações às omissões, promovido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ressaltam características dessa parcela da população e os tipos de violência contra a pessoa idosa no Brasil. Minayo abordou ainda as consequências do envelhecimento no país. 

 

Tipos e natureza da violência

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como violência ou maltrato contra o idoso o ato (único ou repetido) ou omissão que cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança. Entre os principais tipos de violência contra a pessoa idosa, conforme Minayo, estão a estrutural (relacionada à miséria, deixar a pessoa morrer), interpessoal (do cotidiano, família, comunidade, nas relações), institucional (produzida pelos profissionais da saúde, assistência social, instituições em geral) e simbólica (desprezo, menosprezo). 

 

Quanto à natureza, as principais expressões da violência são: física, psicológica, sexual, econômico-financeira-patrimonial, negligência e autonegligência. As denúncias feitas pelo Disque 100 indicam que a violência psicológica tem percentual mais alto que a violência física. Entre as queixas feitas pelos idosos, ela ressalta a perda de autonomia e o abandono. “Fizemos um estudo sobre suicídios de pessoas idosas e o fator preponderante é o isolamento, que leva a depressão. Depressão é uma consequência de uma situação anterior de abandono”.

 

Um aspecto positivo ressaltado pela pesquisadora é a consciência mais clara do direito da pessoa idosa, do dever da sociedade e a própria postura da pessoa idosa, que tem buscado seus direitos e denunciado essas situações. “Houve aumento no número de denúncias no Disque 100, e eu fico contente em saber que aumentaram, porque isso indica que aumentou a coragem do idoso, do familiar e de um vizinho de denunciar, e não a indicação de aumento da violência. O disque 100 leva a mensagem de que o idoso está sofrendo, só que esses dados não são estatísticos de violência contra a pessoa idosa”, avalia.

 

Características da população idosa

No Brasil, 53% dos idosos são responsáveis por mais da metade da renda familiar. “Idosos não são inoperantes, não são ociosos e na região Nordeste esse percentual chega a 63,5%. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) e salário mínimo, que é considerado coisa pequena, miserável na maioria dos estados, no Nordeste significa manter uma família inteira. Estamos falando de uma população que tem vigor e está contribuindo para a economia nacional, para as famílias e para a sociedade”, explicou. A pesquisadora acrescenta que 84,8% de brasileiros idosos têm aposentaria, pensão, ou BPC. “Isso não é no mundo inteiro não, é uma conquista brasileira e algo muito importante que temos que conservar. Não podemos regredir”.

 

Ações

Investir no envelhecimento saudável e na positividade da contribuição do idoso, considerando-os como atores sociais de transformação, reconhecer e apoiar o papel da família nas diretrizes das políticas sociais, tornar os espaços públicos e habitações mais amigáveis, visto que o idoso precisa da rua e da convivência social, e investir fortemente em ações que beneficiem a pessoa idosa dependente foram algumas das ações sugeridas pela pesquisadora, a partir do crescimento significativo da população idosa no país. “Há uma quantidade de ações que não dependem só da família. Embora a família seja fundamental, porque é nela que mais de 90% dos idosos se ancoram, não é só ela. É a família, a sociedade e o Estado”, ressaltou.

 

Para Minayo, o envelhecimento não deve ser considerado um problema, e sim um bônus social, visto que os idosos brasileiros na sua maioria (cerca de 85%) são ativos, trabalham, consomem, movimentam a sociedade ,a economia, e participam da política. “Como pessoas ativas, os idosos continuam atores sociais relevantes, mas o envelhecimento, como todo o fenômeno social, precisa ser compreendido e tratado pela sociedade, famílias e pelo Estado de forma abrangente, e não como um projeto pontual ou como grupo descartável em favor de quem quer que seja”.

 

Pesquisadora Emérita da Fiocruz

Ao concluir a palestra, a pesquisadora emérita da Fiocruz, foi aplaudida de pé pelo público participante do Seminário. De forma descontraída, Minayo cumprimentou os colegas da “classe dos idosos” na abertura do evento, referindo-se a um termo utilizado por Bentinho da Vozinha, jovem que ficou conhecido nacionalmente por postar vídeos nas redes sociais que mostravam a relação de cuidado que ele tinha com sua avó, Adelina, falecida em 2018.

“A grande novidade na sociedade brasileira hoje é o envelhecimento, esta é a maior novidade que  se tem, porque todas as outras questões continuam, mas o envelhecimento tende a progredir. Falaram sobre 80 anos, mas do ponto de vista da saúde se projeta, no mínimo, 120 anos para as pessoas, no futuro. Cumprimento a todos nós, a nossa classe e aos jovens que estão conosco por esse bônus que a vida está nos dando. Devemos aproveitar ao máximo essa grandeza e que a gente ainda possa viver muitos anos ativos para o bem da nossa família, nosso próprio e da sociedade”, destacou, na abertura.

Em maio deste ano, a pesquisadora recebeu Menção Especial de Agradecimento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concedida a pessoas e instituições com significativos serviços prestados à instituição. Cecília Minayo é pesquisadora titular da Fiocruz, coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) e editora chefe da Revista Ciência e Saúde Coletiva da Abrasco.