Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias), com informações de Max Gomes e Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
A necessidade de detectar e promover uma resposta rápida ao possível surgimento de casos de monkeypox levou a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), o Ministério da Saúde e a Fiocruz a promoverem, nesta quinta e sexta-feiras (9 e 10/6), a primeira capacitação para diagnóstico laboratorial do vírus. A iniciativa, ministrada pelo Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), conta com a participação de técnicos de institutos nacionais de saúde da Bolívia, Equador, Colômbia, Peru, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Endêmica na África, a doença registra agora seu maior surto já visto fora do continente. De 13 de maio a 8 de junho foram confirmados 1.186 casos, a maioria na Europa, mas já com registros de dois na Argentina e um México. Isso acendeu um sinal de alerta para a Opas que, junto com o Ministério da Saúde e a Fiocruz, montou em menos de uma semana o workshop de treinamento para a realização de diagnóstico molecular baseado na identificação do material genético do vírus, por meio da metodologia de PCR em tempo real (protocolo padrão adotado pela OMS). Os participantes também receberão os insumos necessários para a implementação da metodologia em seus países, produzidos pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP, uma associação da Fiocruz com o governo do estado) e entregues à Opas.
“A Fiocruz e o mundo vêm sendo desafiados a um trabalho cada vez mais integrado. A partir do conhecimento temos condição de lidar com essas emergências, tanto de antigos patógenos que circulam agora de forma diferente quanto de novos”, disse a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima, no auditório da Escola Politécnica Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), nesta quinta-feira. “Precisamos avançar num trabalho mais integrado nas Américas. Só poderemos dar uma resposta na velocidade necessária se mantivermos essa ação permanente de preparação”, acrescentou Nísia na abertura do workshop.
Rapidez e qualidade
Representante da Opas/OMS no Brasil, Socorro Gross Galiano recordou o treinamento semelhante sobre a Covid-19 realizado pela organização com a Fiocruz em 2020 para países da região. Ela destacou que o workshop vai além da Monkeypox, por representar uma oportunidade de as nações compartilharem seus conhecimentos e ampliarem a rede de vigilância genômica. “Nossa região tem uma característica muito especial: de organizarmos rapidamente nossas forças. E temos que fazer mais”, declarou. “Temos a capacidade de dizer que os insumos que vamos utilizar são de nossa região, o treinamento é em nossa região e com as nossas pessoas. Juntos somos mais fortes”.
A diretora do IOC, Tânia Araujo-Jorge, contou que mobilizou todo o instituto para preparar o treinamento e os laboratórios a tempo. “Soubemos na sexta-feira da semana passada e hoje é quinta. Não levamos nem uma semana e ficou tudo pronto para fazermos o nosso trabalho, que é referência e oferece a orientação técnica quando é necessária”.
Secretário de Vigilância em Saúde e ministro da Saúde em exercício, Arnaldo Correia lembrou a frase do secretário-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que costuma dizer que “ninguém está seguro até que todos estejamos seguros. Estamos vivendo mais um momento histórico ao longo dessa pandemia. Cada vez mais acredito na importância da vigilância e que ela é fundamental para dar qualidade de saúde à população. Nessa perspectiva, é fundamental olharmos para nossa região”, afirmou o secretário.
Participante do treinamento de 2020, o líder técnico para Doenças Infecciosas da Opas/OMS, Jairo Mendes, voltou à Fundação para a nova oficina. Coube a ele apresentar os objetivos do treinamento, a situação atual da doença e os processos de biossegurança. Mendes destacou a pronta articulação que permitiu que, embora num momento de emergência, fosse possível realizar o trabalho com qualidade e com a rapidez necessárias. “São só dois dias, mas o impacto que isso tem em seus países é enorme”. Ele destacou que se fosse necessário enviar as amostras para o laboratório americano de referência em Atlanta, por exemplo, o processo de diagnóstico poderia levar duas semanas. “Por isso insisto na importância de podermos testar em nossos próprios países. Por isso organizamos esta oficina”, acrescentou.
Mendes contou que há duas variantes de monkeypox na África: uma mais agressiva e outra mais branda, sendo que a segunda é a que tem sido observada neste surto fora do continente. Já haviam sido identificados casos em outros países nos últimos anos, em geral de pessoas que haviam viajado à África, mas sem a intensidade do atual surto. “É causa de inquietude, mas não de pânico”.
O líder técnico destacou ainda que a transmissão se dá por contato próximo, sem qualquer evidência de transmissão sexual. Jairo Mendes ressaltou a necessidade de profissionais de saúde estarem atentos para os sintomas e para diferenciá-los de outras enfermidades – do sarampo a doenças alérgicas. “É necessário rastrear os contatos mesmo antes do diagnóstico e orientar as pessoas com as medidas de precaução”, disse. “Não sabemos ainda se vamos ter casos importados, o nível de transmissão ou se a doença vai se expandir rapidamente. Por isso estamos nos preparando”. Na parte da tarde desta quinta e durante toda a sexta-feira, os técnicos latino-americanos participam de intensa imersão em todo os detalhes do protocolo que precisa ser adotado nos laboratórios de referência designados para o diagnóstico do vírus monkeypox.
O patógeno
Pertencente ao gênero Orthopoxvirus, que também compreende os patógenos responsáveis pelas varíolas humana e bovina, o MPXV foi descoberto em 1958, quando pesquisadores investigavam um surto infeccioso em macacos oriundos da África que estavam sendo estudados na Dinamarca. O patógeno até então desconhecido recebeu o nome de monkeypoxvirus por ter sido encontrado em amostras desses primatas.
Posteriormente, cientistas verificaram que os macacos não participavam da dinâmica da infecção como animais reservatórios do vírus e que também eram afetados pelo patógeno assim como outros mamíferos. Ainda hoje não se sabe com exatidão as espécies reservatórias do MPXV, nem como sua circulação é mantida na natureza.
O primeiro caso humano de monkeypox data de 1970, na República Democrática do Congo. Desde então, a infecção em humanos vem sendo relatada principalmente em países das regiões Central e Ocidental da África, onde é endêmica.
Os sintomas da doença podem incluir inchaço dos gânglios linfáticos, aparecimento de lesões na pele, febre, fraqueza, além de dores intensas de cabeça e no corpo. A letalidade é estimada entre 1% e 10%, com quadros mais graves em crianças e pessoas com imunidade reduzida.
A transmissão do vírus de animais para pessoas pode ocorrer através da mordida ou arranhadura de um animal infectado, pelo manuseio de caça selvagem ou pelo uso de produtos feitos de animais infectados. A transmissão do vírus entre pessoas ocorre principalmente através do contato direto, seja por meio do beijo ou abraço, ou por feridas infecciosas, crostas ou fluidos corporais. Também pode haver transmissão por secreções respiratórias durante o contato pessoal prolongado.