A Política Nacional de Saúde e a Participação Popular na Saúde das Trabalhadoras e dos Trabalhadores em Situação de Rua foram o centro do debate da 1ª Conferência Livre Nacional de Saúde da Trabalhadora e do Trabalhador em Situação de Rua (CLNSTTPopRua). O evento foi realizado nesta quinta-feira (11/4), na Fiocruz Brasília, e reuniu pesquisadores do Núcleo de Populações em Situações de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (NuPop/Fiocruz Brasília), além de representantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).
A conferência contou com a presença de cerca de 30 representantes de grupos sociais e trabalhadores em situação de rua, que participaram presencialmente. O evento também foi acompanhado por um público virtual, por meio da transmissão ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no YouTube.
Na plenária vozes antes silenciadas ecoaram com força. Vozes que exigem dignidade, trabalho, moradia — e o direito de existir com respeito.
Porque saúde não é apenas a ausência de doença. Saúde é acesso, é escuta, é política pública construída junto com quem vive a realidade das ruas todos os dias.
Estamos falando de ambulantes, catadores, mototaxistas, vendedoras e vendedores informais, trabalhadoras trans, entregadores por aplicativo, e tantas outras histórias que constroem essa luta por direitos.
Na abertura, a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, ressaltou a relevância do evento como um espaço legítimo para o diálogo e a construção conjunta de propostas e diretrizes voltadas para a população em situação de rua. “O espírito dessa conferência é de conquista. Precisamos ocupar todos os espaços para promover um debate fundamentado pela Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua (PNTC PopRua), assegurada pela Lei 14.821/2024”, afirmou Damásio.
A PNTC PopRua tem como objetivo garantir os direitos humanos de pessoas em situação de rua, incluindo o acesso ao trabalho, à renda, à qualificação profissional e à educação. A diretora enfatizou a urgência de tornar essa política uma realidade concreta, promovendo o direito ao trabalho e o enfrentamento das diversas formas de preconceito e discriminação enfrentadas por essas pessoas. “Estamos aqui pelos ambulantes, catadores, limpadores e todos os trabalhadores em situação de rua, que clamam por dignidade. Não podemos esquecer as violências vivenciadas desde o período da escravidão até os dias atuais. Devemos lutar pelo direito ao trabalho e pelo exercício da cidadania de todos”, ressaltou.
Vanilson Torres, membro da comissão organizadora da Conferência e integrante do Conselho Nacional de Saúde, reforçou a importância da realização da primeira Conferência voltada à saúde dos trabalhadores em situação de rua. “Essa conferência é para todos que lutam em defesa da população em situação de rua. É para aquelas pessoas que estão sob viadutos, em marquises e nas ruas, e que precisam de uma atenção à saúde direcionada especialmente a elas. É uma conferência para quem limpa o vidro de um carro ou de um prédio, para os mototaxistas e trabalhadores de aplicativos. Essa não é apenas uma conferência sobre a saúde da trabalhadora e do trabalhador em situação de rua, mas sim de todos os trabalhadores que estão nas ruas diariamente,” enfatizou.
O representante do MNPR de Brasília e trabalhador em situação de rua Fernando Santos Vieira, destacou a importância desta conferência. Pai solo de uma criança de 1 ano e 2 meses, ele compartilhou as dificuldades enfrentadas por quem vive nas ruas e está em processo de reconstrução de sua vida. Fernando relatou os entraves burocráticos para obter autorização para trabalhar na rua e fez um apelo aos gestores públicos, pedindo que sejam pensadas e implementadas políticas públicas que criem espaços de trabalho dignos para pessoas em situação de rua. “Nós não queremos apenas benefícios, mas sim condições dignas de trabalho e o direito de ocupar nosso espaço na sociedade, com trabalho e moradia”, frisou.
Representando o movimento Trans Rua — uma mobilização que dá visibilidade e defende os direitos da população trans em situação de rua — Nicolly Fênix destacou que sua fala representa muitas outras pessoas trans que vivem essa realidade. “Eu fui uma mulher trans em situação de rua, mas existem várias outras que passam por experiências que atravessam todas nós de formas específicas”, afirmou.
Ela ressaltou ainda que falar sobre saúde para pessoas trans em situação de rua é extremamente complicado. “Você já é negra, com cabelo black, enfrenta o racismo todos os dias. Além disso, muitas de nós passam por transições forçadas, utilizando silicone industrial, fazendo procedimentos de forma inadequada, sem acesso à saúde segura. E ainda existe o fato de que, para sobreviver, muitas acabam recorrendo à prostituição, que é altamente degradante para nossa saúde física e mental,” ponderou ao fazer um apelo aos governantes e representantes dos ministérios: “só sobra para a trabalhadora de rua trans a prostituição e o adoecimento mental, porque não existe um sistema de saúde acessível e digno para essa população, que quer trabalhar, se emancipar e viver com dignidade. Precisamos priorizar a saúde da população trans em situação de rua,” finalizou.
Estiveram presentes ainda na mesa de abertura a coordenadora-geral de Articulação Interfederativa e Participativa do Ministério da Saúde (DGIP/SE/MS), Maria Rocineide Ferreira e a representante do Ministério do Trabalho e Emprego e do CIAMP-Rua (Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua), Eloá Nascimento dos Santos.
A programação da plenária também contou com momentos culturais e de integração, com destaque para a apresentação do Teatro dos Oprimid@s com a peça “PopRua é classe trabalhadora”, além de voz e violão com o artista Adijefison Roseno e uma prática de relaxamento corporal que envolveu os participantes.
Clique aqui para assistir à gravação completa do evento. Confira aqui a galeria de fotos da plenária.
Saúde da trabalhadora e do trabalhador em situação de rua, um direito a ser conquistado
Entre os propósitos da 1ª CLNSTTPopRua esteve o diálogo acerca dos eixos sobre a política nacional de saúde da trabalhadora e do trabalhador em situação de rua e da participação popular na saúde das trabalhadoras e trabalhadores em situação de rua, questões que afetam diretamente os trabalhadores em situação de rua, que são explorados pelo mercado de trabalho e enfrentam barreiras ao acesso a serviços de saúde.
Ao final do encontro, foram apresentados os alinhamentos, propostas e diretrizes que serão encaminhadas para compor a pauta de discussões da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora em Situação de Rua (CNSTT), que ocorrerá de 18 a 21 de agosto de 2025. Ainda no âmbito da etapa nacional, foi realizada a votação das pessoas delegadas que vão representar o coletivo na Conferência.
Esta Conferência Livre é organizada pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua e conta com apoio do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Departamento de Gestão Interfederativa e Participativa da Secretária Executiva do Ministério da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OPAS), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e do Colaboratório Pop Rua do Nupop da Fiocruz Brasília.