Fala aê, mestre: Programa Criança Feliz

Fernanda Marques 17 de maio de 2024


O Programa Criança Feliz (PCF) é uma ferramenta instituída pelo governo federal para que as famílias tenham condições de favorecer o desenvolvimento integral de suas crianças na primeira infância. Analisar a implementação desse Programa foi o objetivo de uma pesquisa realizada no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. Gerente de projetos no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil, Ana Angélica Rodrigues Alves estudou 30 municípios brasileiros, localizados, em sua maioria, nas regiões Norte e Nordeste do país, para verificar se seguiam os processos e etapas definidos na metodologia do PCF. Para a pesquisa, foram selecionados municípios de pequeno porte com maior percentual de população em situação de pobreza extrema, e os dados foram coletados nos registros efetivados no Sistema Eletrônico do Programa Criança Feliz (e-PCF). “Os resultados obtidos poderão subsidiar a elaboração de um plano de ação estratégico que permita qualificar o monitoramento do PCF”, avalia Ana Angélica. Nesta entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, ela explica o que é o PCF, como ele funciona e seus pontos fortes nos municípios estudados, além de trazer recomendações para superar as dificuldades observadas e aperfeiçoar o Programa.

 

Em que consiste o Programa Criança Feliz (PCF)?

Ana Angélica Rodrigues Alves: O PCF é um programa de caráter intersetorial instituído por meio de decreto presidencial. Fundamentado, principalmente, pelas ações de visitação domiciliar, tem a finalidade de promover o desenvolvimento integral das crianças de 0 a 6 anos de idade, considerando, necessariamente, sua família, o território e cada contexto de vida, em consonância com o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016). O público do PCF é composto por gestantes, crianças na primeira infância e suas famílias, as quais estejam em situação de vulnerabilidade e/ou risco social. Os participantes devem estar inseridos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) ou no Benefício de Prestação Continuada (BPC). O programa contempla ações nas diferentes esferas federativas (União, estados, municípios e DF).

 

Como é a metodologia do Programa?

Ana Angélica Rodrigues Alves: As ações do PCF se efetivam por meio de visitas domiciliares realizadas por profissionais visitadores, que atuam na identificação das necessidades e potencialidades das famílias. São realizadas visitas periódicas (semanais, quinzenais ou mensais), provendo suportes e acessos para fortalecer a função protetiva das famílias e o enfrentamento de vulnerabilidades. As equipes de visitadores são capacitadas e orientadas por um profissional supervisor (técnico de nível superior), seguindo as orientações técnicas e metodológicas do Programa. Destaca-se que a metodologia do PCF está embasada no programa de Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC), um manual elaborado e cedido ao Brasil pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), e já utilizado em vários países. Baseia-se no cuidado dado à criança, conforme sua faixa de idade, além da referência nos vínculos estabelecidos entre ela e seus cuidadores.

 

O que revelou a análise dos registros do Programa nos 30 municípios estudados?

Ana Angélica Rodrigues Alves: A implantação do PCF nos municípios pesquisados (30 municípios de pequeno porte, com população em pobreza extrema) demonstrou um alcance de mais de 11 mil beneficiários: do início das visitas, em 2017, até 31 de maio de 2022, os municípios realizaram mais de 547 mil visitas para crianças na primeira infância em situação de extrema pobreza, com uma média de quatro visitas ao mês por beneficiário, o que demonstra que a política pública está chegando efetivamente ao território de maior vulnerabilidade. Os municípios executaram entre 80% e 100% das visitas, de acordo com a meta pactuada para execução. Verificou-se pouca rotatividade de profissionais que faziam a visita domiciliar às crianças nos municípios pesquisados, o que indica um vínculo de trabalho, com consequente qualificação no atendimento.

 

E quais as dificuldades observadas?

Ana Angélica Rodrigues Alves: Dentro da metodologia de atendimento do PCF, utilizam-se ferramentas de acompanhamento qualitativo das crianças – os formulários de caracterização e acompanhamento do desenvolvimento infantil. Entretanto, o percentual de preenchimento observado foi muito baixo: somente 6,5% das crianças com as informações referentes à caracterização da família; 4,8% com o formulário da criança; 2,4% dos formulários de observação inicial; e 1% dos formulários de avaliação do desenvolvimento ao final das faixas de idade. Os formulários são instrumentos que qualificam a ação do Programa, e também contribuem no monitoramento da ação por parte dos profissionais que acompanham periodicamente os beneficiários, mas podemos deduzir que há dificuldades relacionadas ao seu preenchimento, provocando baixa efetividade desses instrumentos.

 

De modo geral, o Programa está alcançando os resultados esperados?

Ana Angélica Rodrigues Alves: Os dados analisados na pesquisa foram gerados a partir do Sistema Eletrônico do Programa Criança Feliz (Sistema e-PCF). Esses dados permitiram aferir a importância de haver sistemas qualificados no monitoramento de políticas públicas, que subsidiam todas as instâncias de execução da ação implementada, e possibilitam análises para a avaliação dessas políticas. Nesse sentido, evidenciou-se a alta efetivação da implementação do PCF nos territórios de extrema vulnerabilidade social, considerando-se os números de beneficiários visitados e de visitas recebidas, conforme as metas pactuadas. No entanto, identificou-se uma baixa efetivação da execução dos instrumentos de monitoramento, que poderiam aferir a qualificação da ação dos profissionais nos territórios – os formulários, que tratam de informações qualitativas sobre o território e cada beneficiário, tiveram um baixo percentual de preenchimento.

 

Com base na pesquisa, o que poderia ser feito para aperfeiçoar o Programa?

Ana Angélica Rodrigues Alves: Diante do contexto da pesquisa, recomenda-se que a gestão do PCF possa investir esforços e recursos na efetivação do monitoramento dos dados por meio dos formulários de caracterização, seja por meio da garantia do funcionamento eficaz de seu sistema online, seja por meio da qualificação dos profissionais que atuam nos territórios, para que entendam a importância e realizem o preenchimento desses instrumentos, seja por meio de normativas que regulamentem a efetivação desses instrumentos. Além disso, há a necessidade de se definir um plano com ações específicas e efetivas para outras áreas diretamente vinculadas à política de assistência social, como saúde, direitos humanos e educação.

 

Ana Angélica Rodrigues Alves é autora da dissertação intitulada “A Implementação do Programa Criança Feliz: estudo de caso de 30 municípios de pequeno porte em situação de pobreza extrema”, defendida em 14 de fevereiro de 2023, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, sob orientação de Swedenberger do Nascimento Barbosa.

 

Foto: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

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