Como você descreveria seus hábitos alimentares: você prepara alimentos ou abre embalagens? Se você respondeu a segunda alternativa, é provável que esteja consumindo uma quantidade considerável de ultraprocessados – o que representa um risco importante para a sua saúde e também para o meio ambiente. Foi esse o alerta feito pelo pesquisador Eduardo Nilson, do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília, na noite da última terça-feira (14/5). Mas ele não falou sobre o tema em uma sala de aula ou auditório. O cenário foi um bar de Brasília, onde, entre um gole e outro, um petisco e outro, os participantes puderam se informar, tirar dúvidas e refletir sobre desafios e possibilidades para uma alimentação mais saudável e sustentável. Eduardo e a colega Erica Ell, também do Palin, integraram a programação 2024 do Pint of Science, um dos maiores eventos de divulgação científica do mundo, cuja proposta é levar a ciência até onde as pessoas estão – no caso, a mesa do bar.
Para explicar o que são ultraprocessados, Eduardo comparou a espiga de milho, que é o alimento in natura; a lata do milho em conserva, que já é um alimento processado; e aquelas caixas de sucrilhos industrializados, legítimos representantes dos ultraprocessados, onde faltam nutrientes e sobram açúcar e aditivos químicos. Exemplos como esse não faltam nas prateleiras dos supermercados: salsicha, refrigerante, macarrão instantâneo, bebidas lácteas com sabores artificiais etc. Estudos apontam que 57 mil pessoas morrem precocemente no Brasil, todos os anos, devido ao consumo desses produtos, associados a doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, cânceres e até depressão. “São evidências científicas que, muitas vezes, a indústria quer confundir ou desqualificar para atrasar medidas de controle”, disse o pesquisador, comentando a demora que houve até os alimentos passarem a estampar, por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o aviso de excesso de açúcar, gordura saturada ou sódio.
Ainda de acordo com Eduardo, embora as campanhas educativas sejam importantes, elas não são suficientes para que se alcance a necessária e urgente redução do consumo desses produtos. “Políticas públicas, como taxar os ultraprocessados e outras medidas, são essenciais”, destacou. Na conversa com os participantes, também ficou claro que a alimentação não pode ser vista como algo deslocado de outros aspectos da vida. “Se a pessoa fica horas em um transporte público de má qualidade para se deslocar entre o trabalho e a casa, dificilmente ela terá condições de cuidar adequadamente do preparo do jantar”, concordou.
Erica continuou o debate apresentando o conceito de sistema alimentar, que abrange todas as ações e etapas envolvidas desde a produção até o consumo do alimento, passando por armazenamento, distribuição, processamento, embalagem e comercialização. “O que acontece em uma etapa tem implicações nas outras”, ressaltou. Essas implicações ficam mais evidentes diante do fato de que apenas oito indústrias são responsáveis pela quase totalidade dos alimentos processados e ultraprocessados consumidos em todo o mundo, e também por grande parte do plástico e outros resíduos que poluem o planeta e acarretam mudanças climáticas. “Elas formam os chamados impérios alimentares, que sustentam o sistema alimentar hegemônico, baseado no agronegócio, no uso intensivo de agrotóxicos, com contaminação do solo e da água, na concentração da terra, na exclusão do pequeno agricultor familiar”, exemplificou Erica. “Observa-se um impacto negativo na sustentabilidade em todas as suas dimensões: sociais, econômicas, culturais e ecológicas”, resumiu.
Na contramão desse processo hegemônico, a pesquisadora destacou como o consumo de alimentos in natura favorece não só a saúde, como também pode contribuir para a preservação dos ecossistemas e o fortalecimento da economia solidária. Isso porque, muitas vezes, esses alimentos estão associados a uma produção mais natural e local, em que produtor e consumidor estão mais próximos, partilhando interesses comunitários. Segundo Erica, a humanidade já utilizou entre 3 e 10 mil espécies de plantas para suas necessidades alimentares, mas, hoje, a produção de alimentos utiliza em torno de 150 espécies, o que sinaliza uma homogeneização ou globalização da cultura alimentar. “A evolução das técnicas e tecnologias de produção de alimentos não foi capaz de eliminar a fome, nem tem trazido benefícios em termos de saúde, como demonstram os ultraprocessados”, acrescentou. “Por que, então, estamos seguindo nessa direção? Quem toma as decisões? Quem está mexendo as alavancas da política?”, provocou a pesquisadora, convidando os presentes ao debate.
A atividade “Sistemas alimentares e ultraprocessados: o que todos temos a ver com isso”, conduzida pela dupla da Fiocruz Brasília, foi realizada no Black Sheep Breja Studio e integrou a programação do Pint of Science na capital federal, coordenada pela professora Adriana Ibaldo, do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB).
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