As mudanças climáticas já são sentidas em todo o mundo e afetam a saúde de bilhões de pessoas, seja pelas ondas de calor, inundações, tempestades, secas, elevação do nível do mar e até mesmo o aumento da temperatura global.
Este foi um dos temas debatidos no II Seminário do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz-Brasília (EGF-Brasília), realizado nos dias 13 e 14 de junho, no auditório interno da instituição.
Em uma palestra crítica e provocativa ministrada pelo assessor técnico do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (DSAST/MS), Victor de Jesus, os estudantes foram convidados a refletir sobre o racismo ambiental, as inequidades em saúde e a necessidade de dados específicos sobre grupos vulnerabilizados, que são mais atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas.
“É preciso ter vigilância das inequidades em saúde e da injustiça climática, não podemos só pensar na qualidade da água e do ar levando em consideração componentes químicos e físicos, sem pensar nas populações desses territórios e em como isso recai sobre grupos diferentes que são mais impactados e vulnerabilizados dentro do processo de saúde e de injustiça climática”, destacou ao se referir ao conceito ampliado de saúde, que considera além da saúde física, mas também a mental e social.
Ele destacou que as mudanças ambientais não podem ser pensadas pela ótica da epidemiologia clássica, que trata o sujeito como universal, como se diferentes territórios e pessoas não tivessem características e vulnerabilidades dentro dos processos de saúde. “Chover, para determinados grupos, não é ficar em casa e contemplar a chuva, sai desse lugar poético. Para muitos traumas são revividos, ansiedades são colocadas, porque aqueles territórios estão acostumados a perder suas casas, suas vidas e se reconstruir do zero em momentos de chuva. Precisamos pensar a realidade brasileira e o que significa viver no semiárido, no cerrado e as consequências disso no dia a dia, na saúde”, exemplificou.
Victor provocou os estudantes, gestores, profissionais de saúde e pesquisadores a pensarem em como a pauta impacta na oferta de serviço e infraestrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). “Em uma onda de calor, por exemplo, as unidades básicas de saúde precisam ter um ar condicionado e ofertar água para os usuários. Parece um luxo, mas é uma realidade que se impõe diante de emergências climáticas. Isso é o básico, mas algo que ainda estamos muito distantes. As estruturas da UBS não estão preparadas para essa realidade e esse é um dos nossos papeis”, afirmou. Para ele, essa não é uma pauta apenas da saúde, por isso, é importante articular políticas de saúde, como a Política Nacional de Saúde Integral dos Povos do Campo, Floresta e Águas, e a Política da População Negra, com as políticas ambientais, sociais e de saneamento, para construir um SUS mais resiliente.
Concorda com ele a coordenadora do Laboratório de Informações em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz), Renata Greice, que destacou a necessidade de atuação de diversas áreas em conjunto nesse tema transversal. Para ela, o diagnóstico do impacto das mudanças climáticas na vida das pessoas é essencial para a busca de soluções e das medidas mais adequadas possíveis. O trabalho de pesquisadores e gestores em diferentes frentes não pode deixar de lado a comunicação com a sociedade.
Em 2016, foi registrado recorde de temperatura média global, mas comparado aos dados de 2024 até o momento, é possível ver que a média elevada continua. “É fato que está aumentando. E com isso temos as mudanças globais, mas os efeitos são sentidos no local, com impactos diretos, como as ondas de calor, chuvas intensas, secas prolongadas, queimadas, perda da qualidade ambiental, migrações forçadas e impactos na saúde das diferentes populações. Por isso é importante trabalhar em diferentes escalas geográficas”, destacou ao apresentar os dados do 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que demonstra que as mudanças climáticas estão ocorrendo para além da variabilidade climática natural e devido à emissão de gases poluentes na agricultura e a queima de combustíveis fósseis. “Mesmo que consigamos zerar as emissões pelos próximos dez anos, não conseguiremos retornar às médias do início das medições”, advertiu.
A pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), Taisa Cortes, compôs a mesa e falou sobre o desafio de acesso a dados, que muitas vezes estão fragmentados, e a integração entre dados ambientais e de saúde.
Desinformação
No segundo dia de seminário, o debate iniciou com a conceituação de desinformação e ciência cidadã. A coordenadora de Políticas para Liberdade de Expressão e Enfrentamento à Desinformação da Presidência da República, Marina Meira, destacou que vivemos em um contexto de infodemia e crise de confiança nas instituições desde a pandemia de Covid-19, especialmente no tema da vacinação. Mas, desde 2023, há uma reversão da tendência de queda nas coberturas vacinais, com crescimento no índice de vacinação dos imunizantes contra hepatite A, poliomielite, pneumocócica, meningocócica, DTP (difteria, tétano e coqueluche), tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e febre amarela e o crescimento de 30% no número de doses aplicadas da vacina contra HPV, que desde 2014 estava em queda.
“Esse sucesso é atribuído a estratégias como o microplanejamento e a vacinação nas escolas, que foram fundamentais para alcançar resultados positivos”, afirmou Marina. Participaram também do debate a professora do Departamento de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de Brasília Fernanda Natasha – professora da Universidade de Brasília (UnB) e a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) Sarita Abigail.
Troca de experiências
As boas-vindas aos participantes foi dada pela diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, a diretora da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, Luciana Sepúlveda, e a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Noely Moura.
Fabiana traçou a trajetória de nove anos do Mestrado Profissional e as pesquisas realizadas pelos 200 alunos que já concluíram a capacitação, destacando os quase 300 alunos matriculados atualmente no curso. “É um espaço de defesa da ciência engajada, aplicada e cidadã. Aproveitem esse espaço de diálogo, reflexão crítica sobre as condições de saúde para que a partir daí a gente realmente consiga construir, a partir dos projetos de vocês, boas soluções para a melhoria da saúde de vida da população”, disse Damásio.
Noely Moura definiu o evento como uma oportunidade de discentes que estão iniciando e finalizando os cursos, além de docentes, de conhecerem os projetos que estão sendo desenvolvidos na Escola de EGF-Brasília. Para ela, é um momento de troca de experiências, projetos e ideias, aprendizado e aprimoramento de pesquisas.
Para a diretora da EGF-Brasília, Luciana Sepúlveda, o seminário tem como foco o acompanhamento do amadurecimento do projeto investigativo dos alunos ao longo do tempo no processo formativo e valoriza o diálogo para conhecer melhor o trabalho dos colegas e as linhas de pesquisa dos orientadores e docentes. “Esperamos que esse sentido de propósito, defesa do SUS, defesa da ciência, olhar para a ciência e tecnologia e da implicação nas escolhas na gestão pública, seja uma parte do que vocês levam da Escola com vocês. A percepção da importância de um estado democrático de direito, de um olhar intersetorial e multidisciplinar para trabalhar os problemas de saúde e sociedade com os quais a gente lida ao longo do tempo”, concluiu Luciana.
A programação do evento contou ainda com apresentação de trabalhos de alunos e egressos do Mestrado em 11 eixos que dialogam e representam a diversidade de temas debatidos no Programa. São eles: Avaliação e evidências para políticas e tecnologias em saúde; Bioética e diplomacia em saúde; Ciência, tecnologia e inovação para gestão e governança em saúde; Direito Sanitário; Educação, comunicação e divulgação científica em saúde; Epidemiologia, vigilância em saúde e emergências sanitárias; Promoção da Saúde, Interseccionalidades, diversidades e inclusão; Planejamento e Gestão em Saúde; Saúde, Ambiente e Trabalho; Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Direitos Humanos; e Alimentação, Nutrição, Cultura e Sociedade.
Confira aqui as fotos do Seminário
Assista aos debates:
Mesa 1 – Impactos das Mudanças Climáticas na Saúde Humana
Mesa 2 – Democracia contemporânea e os desafios do Governo Aberto e da Ciência Cidadã
A partir da primeira edição do evento, realizado em 2023, foi produzido um documentário sobre o Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Saúde (PPGPPS) da Fiocruz Brasília. Assista aqui
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