Fernanda Marques / Jacarandá
Municípios de todas as regiões do Brasil, com diferentes características, mas com objetivos e desafios comuns, compartilharam suas experiências de sucesso na implementação e desenvolvimento do Programa Saúde na Escola (PSE). Eles foram selecionados para a fase de estudo de casos da Pesquisa Nacional de Avaliação da Gestão Intersetorial do PSE, coordenada pela Fiocruz Brasília. Em um primeiro momento, pesquisadores estiveram em Aracruz (ES), Piripiri (PI), Manaus (AM), União do Sul (MT) e Benedito Novo (SC) para conhecer as experiências e fazer a coleta de dados. Depois, no dia 4 de dezembro, delegações do PSE dos cinco municípios estudados se reuniram na Fiocruz Brasília para apresentar seus trabalhos e debater inovações colaborativas. Também participaram do encontro representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação, bem como de universidades, Unicef e outras instituições ligadas à pauta. O PSE é uma política pública intersetorial que existe desde 2007 e articula Saúde e Educação, nas esferas municipal, estadual e federal, para promover o bem-estar de crianças e adolescentes de forma integral.
“A etapa de estudo de casos mostra a diversidade e a riqueza do país e suas pessoas”, destacou Luciana Sepúlveda, diretora da Escola de Governo Fiocruz-Brasília e coordenadora da pesquisa. Nessa fase do estudo, de caráter qualitativo, os pesquisadores estiveram em escolas e unidades de saúde onde a gestão do PSE acontece. “Os gestores precisam se enxergar na pesquisa e ter clareza de que o resultado vai beneficiar o seu trabalho. É fundamental que o gestor seja escutado e saiba que ele é valorizado”, afirmou Luciana, sublinhando a dimensão da participação na pesquisa, que tem como objetivo avaliar o PSE com vistas ao aprimoramento do Programa. “O que acontece no PSE também se passa em outras políticas, de modo que o resultado dessa avaliação pode ter um impacto ainda mais amplo”, adiantou. A pesquisa é financiada pelo CNPq, por meio da chamada pública CNPq/DEPROS/SAPS/MS nº 20/2021.
Trocas
A primeira apresentação foi a de Aracruz, cidade com cerca de 100 mil habitantes no litoral capixaba, que mostrou o avanço do PSE desde que o município aderiu ao Programa, em 2009, até os dias atuais – no começo, apenas três escolas participavam e, hoje, o PSE foi ampliado para toda a rede municipal, com em torno de 50 escolas, inclusive em aldeias indígenas. Em cada escola, há um grupo gestor, com representação dos estudantes, responsável por elaborar o plano de ação local. Este é acompanhado pelo Grupo de Trabalho Intersetorial Municipal (Gtim) do PSE, que tem reuniões semanais de planejamento, monitoramento e avaliação do Programa, e, além da Saúde e da Educação, conta com a Assistência Social. E a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude também tem sido parceira. Mensalmente, ocorrem as reuniões gerais formativas, que reúnem os profissionais de escolas municipais, Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Referência e de Referência Especializado de Assistência Social (Cras e Creas), bem como convidados de conselhos tutelares, segurança pública, vigilância e escolas estaduais e particulares. Com essa estrutura, o PSE de Aracruz realizou mais de 640 ações de prevenção em 2024.
Inclusão
Localizada no interior do Piauí, com cerca de 65 mil habitantes, a cidade de Piripiri tem escolas urbanas e rurais no PSE, inclusive uma escola quilombola, totalizando mais de 10 mil estudantes da educação infantil à educação de jovens e adultos (EJA). Quase 10% deles têm alguma deficiência e, para melhor atendê-los, o município conta com 485 auxiliares de serviços educacionais e 22 salas de recursos multifuncionais. Com um olhar voltado também às famílias, o Departamento de Assistência ao Educando, bastante próximo do PSE, tem uma equipe formada por dois psicopedagogos, um assistente social, um psicólogo e um sociólogo. As temáticas das ações do PSE no município incluem vacinação contra HPV, dignidade menstrual, saúde mental e outras relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Itinerância
Única capital entre os municípios que participaram do estudo de casos, Manaus também experimentou um crescimento do PSE desde a adesão ao Programa até os dias atuais, passando de 15 para quase 300 escolas participantes, de 2009 a 2024. A ficha de matrícula do estudante na escola já inclui o número de identificação de usuário do SUS e o termo de autorização para participar das ações de promoção da saúde. Entre as iniciativas destacadas, um projeto que busca identificar precocemente crianças com deficiência auditiva, um selo que certifica escolas em que os estudantes estão com a caderneta de vacinação atualizada e a Estação Saúde. Esta é fruto de uma parceria da Secretaria de Saúde com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e consiste em módulos itinerantes que levam atividades de educação em saúde até as escolas – especialmente aquelas onde o acesso à UBS é mais difícil. Dengue, malária, gravidez na adolescência, tabagismo, alimentação saudável, paz no trânsito e combate ao racismo são exemplos de temas abordados nessas atividades.
Inovação
Distante 650 quilômetros de Cuiabá, com menos de cinco mil habitantes, União do Sul tem apenas uma creche, uma escola municipal e outra estadual. E esta última se transformou no cenário de um programa que mobiliza toda a cidade – o Altas Horas na Escola. Mas essa história começa bem antes, em 2008, quando o município ainda nem tinha aderido ao PSE, mas realizou um projeto precursor, em que, a cada bimestre, um tema de saúde era trabalhado em sala de aula. Um dos temas resultou em uma campanha de coleta seletiva de lixo para eliminação de focos do mosquito da dengue – o material reciclável arrecadado foi vendido e financiou a formação de agentes ambientais mirins. Então, em 2009, houve a adesão ao PSE e o trabalho continuou com ações variadas, desde a avaliação postural até a prevenção do suicídio. Mais recentemente, uma professora de português identificou nos adolescentes uma dificuldade para escrever e propôs uma atividade diferente para melhorar os argumentos nas redações. A proposta consistia em escolher um tema junto com os estudantes e colocá-lo em debate, recriando na escola o programa Altas Horas – haveria especialistas convidados para responder aos questionamentos dos alunos, atrações musicais, brincadeiras e até alguém para substituir Serginho Groisman. Os alunos aderiram e temas de saúde logo se destacaram, como saúde reprodutiva, infecções sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência, álcool e outras drogas, bullying etc. O projeto foi ganhando forma e ficando cada vez mais robusto: professores de diferentes disciplinas trabalham os temas previamente em sala de aula, os alunos se preparam, cuidam da divulgação e da transmissão online, e organizam o espaço da escola para receber o programa, que se tornou um grande evento na cidade, aberto às famílias e à comunidade, com envolvimento até de ex-alunos.
Persistência
Na última apresentação, os representantes de Benedito Novo, município do interior de Santa Catarina, com pouco mais de 10 mil habitantes, relembraram o período da pandemia de covid-19 e como conseguiram manter as atividades do PSE, apesar do fechamento das escolas e das medidas de isolamento, utilizando grupos de WhatsApp e outras ferramentas digitais online. Comentaram também como Saúde e Educação estão mais articuladas e atuando juntas no planejamento e na realização das atividades, conforme as necessidades dos educandos, incluindo enfrentamento das violências, higiene pessoal, saúde bucal, prevenção da obesidade, saúde sexual e reprodutiva. A delegação destacou a importância do registro dessas atividades – os dados apontam, por exemplo, que as ações do PSE resultaram em um menor índice de perda do dente primeiro molar permanente e diminuição dos casos de gravidez na adolescência. E a saúde dos professores também está contemplada no PSE, com cuidados de saúde mental e incentivo à amamentação, entre outros.
“A reflexão sobre as nossas práticas e essa troca com os colegas têm a capacidade de nos revigorar”, avaliou Arrabel Murara, prefeita de Benedito Novo. “As experiências aqui compartilhadas reforçam a escola como espaço comunitário de construção de saberes e práticas capazes de ampliar o acesso à saúde e demais direitos, e reduzir as desigualdades”, pontuou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio.
Confira aqui as fotos do encontro.
Saiba mais sobre a pesquisa nos links abaixo:
Saúde na Escola: chegou a vez dos municípios
Saúde na Escola é tema de pesquisa da Fiocruz Brasília
Fala aê, mestre: promoção da saúde nas escolas e a participação juvenil
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