Os casos de dengue, chikungunya e zika têm aumentado no Brasil. As três doenças têm muito em comum: compartilham o mesmo inseto vetor, o mosquito Aedes Aegypti, e já mataram milhares de pessoas em todo o mundo. Buscar outras formas de cuidar da saúde e da vida de milhares de brasileiras e brasileiros e sugerir mudanças na abordagem do tema é o que pretende o livro Práticas interdisciplinares de informação, educação e comunicação em saúde para prevenção das arboviroses dengue, zika e chikungunya: desafios teóricos e metodológicos.
As organizadoras da obra, Ana Valéria Mendonça e Maria Fátima de Sousa, pesquisadoras e professoras da Universidade de Brasília (UnB), afirmam que o tema é um agravo milenar que já deveria estar varrido do mapa do Brasil e do mundo. Para as comunicadoras, é consenso, ou deveria ser, que o Brasil já viveu, ao longo das últimas três décadas, uma série de tentativas de mudar a forma e o conteúdo de prestar atenção à saúde de suas famílias.
“Entretanto, todas as iniciativas, por melhor que tenham sido a origem de suas propostas de base filosófica, os arranjos institucionais, a definição e a clareza dos objetivos/propósitos, a adequação do desenho à realidade local, o casamento entre oferta e demanda e, principalmente, a qualidade dos sujeitos envolvidos, não foram suficientes para reger a orquestra em defesa da vida”, afirmam na apresentação do livro. Elas se referem à forma de pautar os governos federal, estaduais e municipais quanto à necessidade de olharem, sentirem e serem capazes de mudar a rota da reforma do setor Saúde, no modo de cuidar da saúde das pessoas, das famílias e das comunidades em qualquer território dos municípios brasileiros.
A obra reúne 13 textos de diferentes pesquisadores com experiências e estudos sobre práticas educacionais, Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), educação popular em saúde, autonomia do cuidado, campanhas midiáticas, entre outros assuntos relacionados às arboviroses. Entre eles, estão artigos de duas jornalistas da Fiocruz Brasília, a mestranda em Saúde Coletiva e coordenadora do Marketing Fabiana Mascarenhas e a professora Mariella Oliveira-Costa.
No texto intitulado A Comunicação de evidências científicas: uma ferramenta estratégica para auxiliar a tomada de decisão no SUS, escrito com as pesquisadoras Ana Valéria Mendonça e Maria Fátima de Sousa, Fabiana avalia a dificuldade de transformar evidências em soluções práticas. As evidências científicas são informações que auxiliam a formular, implementar e avaliar as políticas públicas de saúde nas diferentes instâncias de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Ajudam ainda na compreensão das causas dos problemas e suas consequências e na garantia de que os recursos públicos sejam alocados de forma mais assertiva, evitando risco de desperdício ou mau uso do dinheiro público.
A jornalista destaca que o uso sistemático de evidências científicas por tomadores de decisão no contexto do SUS, especialmente nas etapas de formulação e implementação, ainda é insuficiente, pois não são devidamente valorizadas como subsídio pelos gestores e competem com outros fatores com pressões econômicas, sociais e políticas.
No artigo, ela lembra ainda que o tempo da gestão e o tempo da ciência são diferentes e fazem com que nem sempre a evidência esteja disponível quando os tomadores de decisão necessitam dela, como em casos de emergência em saúde pública. Aliado a isso está a comunicação inadequada ou pouco eficiente dos resultados das pesquisas. Assim, é comum que os gestores não compreendam ou tenham dificuldade de interpretar, adaptar e aplicar o conhecimento científico ao contexto no qual está inserido.
Fabiana defende a importância de comunicar e divulgar esse conhecimento a outros públicos, já que o processo decisório e a gestão em saúde são influenciados e administrados por diferentes atores sociais e envolve a participação de pessoas com diferentes perfis, formações, trajetórias políticas e inseridas em contextos diferentes. “Diante da ausência de uma perspectiva que considere a complexidade e a multidimensionalidade na qual está inserida, a comunicação acaba por reproduzir as desigualdades em saúde, o que vai justamente de encontro ao que é defendido pelo SUS, sistema cujas diretrizes deveria ter como alicerce. Isso significa que não basta que as evidências científicas estejam disponíveis; elas precisam, de fato, ser acessíveis. A linguagem e o formato do conhecimento precisam ser democráticos”, afirma a autora no texto.
Já o estudo da sanitarista Mariane Sanches e da pesquisadora da Fiocruz Brasília Mariella Oliveira-Costa, busca identificar as representações sociais presentes nos discursos de jornalistas que escrevem sobre saúde pública e arboviroses em Tocantins, um dos estados brasileiros afetados pela epidemia de zika. Para isso, foi realizada pesquisa com profissionais de comunicação do Jornal do Tocantins, periódico de maior tiragem e circulação no estado.
O texto “A culpa não é só do poder público, né?”: discursos de jornalistas sobre zika vírus no Norte do Brasil’ destaca que grande parte das informações obtidas sobre arboviroses vem da divulgação dos meios de comunicação, fazendo com que a mídia tenha influência na forma como as arboviroses são vistas e representadas em uma comunidade. Número de casos, prevenção e diferença entre as doenças causadas pelo Aedes aegypti estão entre a prioridade da apuração cotidiana das jornalistas entrevistadas e presentes na agenda cotidiana do jornal regional a respeito de saúde pública.
De acordo com as autoras, o discurso pautado na responsabilização da comunidade não leva em consideração determinantes sociais, questões de saneamento básico e deveres do Estado com as cidades. O que pode gerar o efeito contrário, com distanciamento e a não identificação da comunidade com as informações produzidas sobre o tema.
As autoras identificaram que, no imaginário das jornalistas entrevistadas e expressas nas notícias midiáticas, há uma culpabilização das pessoas pelas arboviroses, como se fossem as únicas responsáveis pelo cenário epidêmico, reforçando o esvaziamento do papel do poder público contra o vetor Aedes aegypti.
Elas defendem que é importante refletir sobre o papel do jornalista para a formação da opinião pública, auxiliando a população a agir conscientemente em relação ao desafio posto pela zika e pelas demais arboviroses. Na visão delas, outro papel dos comunicadores é na mudança no foco da percepção das pessoas sobre a origem do problema e a falta de responsabilização dos governantes. Analisam ainda, que é necessário entender como as informações sobre saúde pública circulam e chegam aos indivíduos e às comunidades, como são interpretadas e apropriadas, para assim construir estratégias de prevenção e controle de doenças como a zika e as demais arboviroses.
“É preciso assumir posturas menos simplistas no enfrentamento das epidemias transmitidas pelo Aedes aegypti e reconhecer o esgotamento e o custo elevado de um formato de combate que se limita à eliminação de criadouros com limpeza de vasos de plantas. A imprensa deve contribuir para a compreensão de que a proliferação desse vetor perpassa o prisma da urbanização desenfreada, da ausência de política urbana, da especulação imobiliária, do investimento ínfimo em saneamento básico. Os princípios da promoção da saúde, que fazem parte do arcabouço do SUS, devem permear as políticas públicas de enfrentamento das arboviroses”, afirmam ao destacar a importância de repensar as práticas de jornalismo em saúde no Brasil.
O livro está disponível online. Para ler esses e outros artigos da obra, clique aqui.
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