Está disponível nova edição da Revista de Alimentação e Cultura das Américas (RACA), publicada pelo Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília. Os artigos reunidos neste número trazem reflexões sobre a relação entre alimentação, religiosidade e outras áreas de saber. Ao abordarem práticas como rituais e cultos, os autores discutem não a comida em si, mas como ela se conecta com a identidade dos povos. Com ênfase nas experiências religiosas da América Latina, que têm a comida como um elemento central, a edição destaca histórias de luta e resistência de populações que enfrentaram e ainda enfrentam uma série de violências e fome.
“Falar sobre comida e religião é refletir também sobre relações políticas a partir de populações que historicamente passaram pelo genocídio, que foram escravizadas e invisibilizadas, mas que não obstante a isso, na contramão de tudo que o discurso colonialista alardeou, estão aí, comendo e bebendo, celebrando os seus ancestrais por meio de verdadeiros banquetes porque, desde cedo, descobriram que comida é força e que o comer está investido de poder, afinal, nada mantém-se vivo sem ele”, ressaltam os editores, Vilson Caetano Sousa Junior, da Universidade Federal da Bahia, e Denise Oliveira, vice-diretora da Fiocruz Brasília e coordenadora do Palin.
A edição é composta por seis artigos. Um dos estudos identificou que terreiros de Candomblé da região do Recife já não oferecem suas comidas típicas nos momentos finais das festividades: comidas como o acarajé, o amalá e o xinxim estariam sendo substituídas por comidas não relacionadas aos orixás, como bolos confeitados, frango xadrez e açaí na tigela. As causas desse fenômeno – como as perseguições históricas e o custo dos alimentos, entre outras – são discutidas no trabalho.
Outro estudo publicado na revista buscou compreender os significados das interdições alimentares de afro-religiosos do Candomblé, demonstrando a relação entre alimentos, ancestralidade e imaterialidade.
A edição traz também uma análise das práticas alimentares religiosas dos Candomblés da Bahia. A pesquisa sinaliza um movimento que vai da nutrição às práticas sociais, ou seja, compreende a nutrição para além de seus aspectos biológicos e metabólicos, como um campo multidisciplinar que deve buscar aproximar-se da realidade sociocultural de cada povo.
Há, ainda, um trabalho que aborda a comida de santo do Candomblé como patrimônio cultural material e imaterial do Brasil, agregando música, vestuário, religiosidade e língua, e reafirmando a forte presença da cultura negra na culinária e no cotidiano do brasileiro.
O papel das comidas de cerimônias de Candomblé na obra de Jorge Amado também foi tema de um estudo. O trabalho analisou como o romancista baiano abordava o preconceito dos brancos perante as religiões de matriz africana.
Por fim, o sexto artigo traz a análise de uma experiência religiosa do México, a Festa dos Santos Reis em San Pedro Zacán. O estudo explica que, nessa festa, a comida é preparada através de brincadeiras e momentos de diversão, pois as oferendas são para alegrar uma criança, o menino Jesus. Contudo, a festa é também uma forma de reconhecimento social e famílias podem se endividar para fazer a celebração.
Além dos seis artigos, a nova edição de RACA apresenta um ensaio sobre o consumo coletivo ritualizado de cervejas africanas e de bebidas fermentadas ameríndias; uma narrativa sobre sacerdotisas cozinheiras do Ceará; e uma entrevista. O entrevistado é Patrício Carneiro Araújo, professor de antropologia e pesquisador na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), com larga produção acadêmica e científica sobre a cultura alimentar em terreiros.
Confira a nova edição da Revista de Alimentação e Cultura das Américas (RACA)
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