Reprodução – Revista Radis
Aos 19 anos de idade, a publicitária gaúcha Caroline Miltersteiner iniciava uma trajetória tipicamente bem-sucedida em uma empresa do ramo de marketing e tecnologia. Com desempenho e dedicação, ascendeu profissionalmente de forma muito rápida e, aos 25 anos, já era sócia do negócio, acumulando funções e atribuições. O que ela não sabia era que a sobrecarga de trabalho a que estava submetida poderia custar sua saúde física e mental ao desenvolver a chamada síndrome de burnout (em tradução livre, queimar por fora ou queimar completamente).
O termo é de origem inglesa, mas seus sintomas e efeitos já acometem ao menos um a cada três trabalhadores brasileiros. Esse dado resulta de um levantamento da International Stress Management Association (Isma-Brasil), realizado em 2019. O índice já alarmante, de 32% da população brasileira economicamente ativa adoecida pelo trabalho, pode ser ainda maior atualmente. Isso porque nos últimos anos a pesquisa nacional da Isma foi adiada devido à pandemia de Covid-19. A estimativa de agravamento deve-se ao fato de que as próprias mudanças no trabalho decorrentes do contexto pandêmico também poderão impactar essa estatística.
A décima primeira versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro de 2022, oficializou o burnout como uma síndrome ocupacional relacionada ao esgotamento no trabalho. Essa deliberação, contudo, ocorreu anos antes, durante assembleia do órgão em 2019. Na CID-11, o burnout passou a ser descrito como uma síndrome “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. Uma sobrecarga ou situação de conflito no trabalho pode até ser bem assimilada na nova rotina durante um tempo — mas se mal administrado e não solucionado, esse desequilíbrio pode sair do controle e gerar danos à saúde, como adverte a definição da OMS.
Foi o que aconteceu com Caroline Miltersteiner ou, simplesmente, Carol Milters. É dessa forma que ela se apresenta em seu site e redes sociais, em que aborda o tema com base em suas experiências, e como assina seus dois livros dedicados ao burnout. Ao se fundir com uma multinacional norte-americana, a empresa onde Carol trabalhava ampliou exponencialmente sua atuação no mercado e suas responsabilidades também cresceram abruptamente. Ela afirma que de início normalizou a sobrecarga laboral a qual estava submetida.
“Achava tudo aquilo o máximo e pensando que estava fazendo pouco. Quanto mais viagem melhor, quanto mais lotada a agenda melhor, quanto mais correria melhor”, reflete sobre seu pensamento na época. A conta cobrada por um ritmo de trabalho desregulado foi chegando aos poucos — embora a jovem, cuja rotina no escritório era regada a café e energético, não notasse seus efeitos de imediato. “Daí, o corpo começou a dar sinais. O primeiro sintoma que tive, com 26 anos [em 2014], foi uma amigdalite constante, só associada ao trabalho mais tarde. Depois, vieram infecções gastrointestinais, passei a ficar muito nervosa na véspera de eventos importantes, e dali a um tempo notei que passei a tomar uma dose de whisky para relaxar e conseguir dormir melhor”, relata.
Àquela altura, as evidências já iam se manifestando de forma mais direta: “Já não desligava do trabalho, ficava o tempo todo pensando nas responsabilidades do dia seguinte, no que falaria nas reuniões, ficava acordada até duas, três horas da madrugada, virava noites e por aí vai”. A dedicação quase exclusiva ao trabalho foi também uma espécie de escape para Carol, que ao romper um noivado relata ter concentrado sua energia no campo profissional. “Eu me joguei no trabalho e ele me recebeu de braços abertos”, conta, sem saber o que viria logo à frente.
A busca incessante pela produtividade é uma marca do nosso tempo. Esse é um aspecto destacado na obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, ao analisar o comportamento social na contemporaneidade e chamá-lo de Sociedade do Cansaço, título de sua obra publicada em 2017. O pensador asiático classifica os indivíduos do século 21 como sujeitos de desempenho e produção e faz a seguinte ressalva: “O que torna doente, na realidade, não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo de desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”. Essa era uma crença de Carol quando pensava que o volume de tarefas cumpridas seria um sinônimo de êxito profissional e atestado de competência. O que, na verdade, pode gerar estresse e adoecimento.
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