O que é humanidade, o que é democracia e por que elas são ainda precárias na imprensa brasileira? Com essa provocação, Fabiana Moraes, jornalista premiada e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), iniciou a conferência de abertura do III Seminário Internacional e VII Seminário Nacional As Relações da Saúde Pública com a Imprensa, realizado pela Fiocruz Brasília. Com o tema Covid-19, o que a comunicação tem a ver com isso?, o evento gratuito começou nesta segunda-feira (7/11) e vai até sexta (11/11), em formato híbrido. Confira a programação
Segundo Fabiana, a precariedade da compreensão de humanidade e democracia ficou ainda mais exposta com a pandemia de Covid-19. Para explicar seu ponto de vista, a conferencista traçou um breve panorama histórico, apontando como o racismo e as desigualdades sociais estão enraizadas em nossa sociedade. Citando Muniz Sodré, exemplificou o pensamento racista presente, inclusive, em palavras do poeta Fernando Pessoa. Fabiana destacou que a ideia persistente de que existem humanos mais humanos do que outros, além de incompatível com a democracia, abre caminho para as violências.
Ela lembrou que a profissionalização da imprensa ocorreu junto com o movimento abolicionista, mas dentro de uma estrutura de desigualdades, onde o escravo se tornou negro privado de uma série de direitos. “Nesse contexto, o que significa a imparcialidade da imprensa? É ser imparcial em relação ao racismo, à transfobia e à desigualdade social?”, questionou. “Diz-se que a imprensa é apartidária, mas não se faz política apenas em partidos. A política está no cotidiano, na alimentação, na sexualidade, em tudo. Na Covid-19, o acesso ou não à saúde, ao saneamento e à vacina, poder ou não ficar em casa – isso é política”, afirmou.
Fabiana denunciou a naturalização do assassinato da população negra na imprensa, assim como a ausência de negros entre os especialistas entrevistados pelos jornalistas. “É essa imprensa, com essa perspectiva e esse olhar, que vai cobrir a Covid-19”, pontuou, sublinhando que quem mais sofre as consequências da pandemia é, justamente, a população negra. Segundo a conferencista, é também essa imprensa que vai precisar lidar com o negacionismo, o apagão de dados, as fake news e os ataques do governo, ao mesmo tempo em que é possível encontrar jornais publicando anúncios de tratamento precoce para Covid-19.
Como contraponto ao que chamou de pragmatismo financeiro da grande imprensa, Fabiana citou a mídia alternativa e as iniciativas dos comunicadores periféricos, mostrando a realidade e levando informação para suas favelas e quebradas. Lamentou, no entanto, a invisibilidade dessa comunicação das periferias. “A gente reclama da grande imprensa, mas não valoriza nem dá visibilidade à imprensa alternativa”, disse.
Ao final da conferência, após responder às perguntas do público presente no auditório e dos internautas que acompanhavam o evento pelo YouTube da Fiocruz Brasília, Fabiana Moraes fez uma breve sessão de autógrafos do livro A pauta é uma arma de combate: subjetividade, prática reflexiva e posicionamento para superar um jornalismo que desumaniza (Arquipélago, 2022).
A vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, e a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, saudaram a iniciativa do Seminário. “Ao abrir nossa Escola de Governo para o diálogo sobre o que e como se comunica saúde, reafirmamos nosso compromisso com o SUS e as evidências científicas”, disse Fabiana. Relembrando temas já discutidos em edições anteriores do Seminário, como febre amarela, dengue, zika e fake news, a diretora ressaltou que o objetivo da atividade, além de promover reflexões, é contribuir com articulações e propostas para o enfrentamento dos desafios atuais e futuras, com base no tripé formação, prática e pesquisa. Saiba mais sobre as sessões científicas
A dimensão cultural também está presente no Seminário, cuja programação inclui uma exposição de 25 ilustrações sobre Covid-19 selecionadas por uma comissão avaliadora entre mais de 250 trabalhos recebidos de artistas de 33 países. Também compõem a mostra, com menções honrosas, três desenhos infantis enviados para o concurso. As ilustrações vão estampar o e-book do Seminário, a ser lançado no ano que vem, conforme anunciou o jornalista Wagner Vasconcelos, coordenador da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília. “A pandemia deixou claro que a saúde não pode ser considerada apenas do ponto de vista epidemiológico. A comunicação é central e estratégica para a saúde”, resumiu.
As fotos do evento estão disponíveis no Flickr da instituição
A gravação da mesa já está disponível no YouTube da Fiocruz Brasília. Assista aqui
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