A pluralidade de vozes marcou a Conferência Livre Nacional de Promoção da Saúde, Determinantes Sociais e Equidade. A etapa preparatória da 17ª Conferência Nacional de Saúde, a ser realizada entre os dias 2 e 5 de julho, teve pela primeira vez um debate com o tema. Representantes de movimentos sociais dos povos do campo, floresta e águas, da população negra, da população em situação de rua, das pessoas com deficiência, dos povos ciganos e da população LGBTQIA+, gestores e profissionais da saúde de diferentes regiões do Brasil estiveram reunidos entre os dias 17 e 19 de maio na Fiocruz Brasília.
Com o olhar voltado para a compreensão de como os determinantes sociais incidem sobre o processo saúde-doença e para o enfrentamento dos desafios da promoção da saúde com equidade, a Conferência Livre buscou contribuir para o desenvolvimento de territórios saudáveis e sustentáveis. Mesas de debate, rodas de conversa e grupos de trabalhos integraram a programação, que culminou na elaboração de documento a ser encaminhado para a 17ª CNS, com uma diretriz, cinco propostas, três delegados e quatro suplentes, votados pelos participantes.
A diversidade está presente no grupo selecionado para representar, discutir e deliberar sobre a temática no evento de julho. Os delegados foram: Noemi Margarida Krefta, do Movimento de Mulheres Camponesas e Grupo da Terra (Chapecó, SC); Elionice Conceição Sacramento, da Articulação das Mulheres Pescadoras, Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais e Articulação Nacional de Pescadoras (Conceição de Salinas, BA); e Diego Souza da Silva, da Aliança Nacional LGBTI+ e ONG Nubia Rafaela Nogueira (Jacarezinho, PR). Já os suplentes foram: Estênio Eduardo da Silva Santos, da instituição de acolhimento para crianças e adolescentes Lar de Eurípedes (Brazlândia, DF); Mauricéa Maria de Santana, educadora popular em saúde e docente colaboradora da Fiocruz (Recife, PE); Yudi Luiz Silva dos Santos, do Movimento Independente de Homens Trans e Transmasculino do Estado de Pernambuco (Camaragibe, PE); e Raicarlos Coelho Durans, da Secretaria Municipal de Saúde de Marituba (Marituba, PA).
Diversidade de vozes e lutas
Violências, racismos, desigualdades, saúde mental e gênero foram temas debatidos pelos participantes durante os três dias da Conferência Livre, marcada pelo protagonismo de cada um dos movimentos, buscando um olhar amplo para a saúde da população.
O que de fato é saúde? Essa foi a pergunta feita por Antônio Ramos, representante da União Nacional LGBT. Ele afirmou que é preciso refletir sobre saúde, mas não exclusivamente a saúde dos consultórios médicos. Para ele, é necessário refletir sobre a condição psicológica e o ambiente em que as pessoas estão inseridas. “Pensar a equidade com a participação social é empoderar as pessoas para que elas compreendam o que é o SUS, uma política reconhecida mundialmente pela sua eficiência e capacidade de transformação da vida das pessoas na sociedade”, disse.
A perspectiva da população em situação de rua foi trazida por Kleidson de Oliveira Beserra, do Movimento Nacional da População de Rua, que compartilhou sua história de vida nas ruas e, hoje, fora delas. Ele destacou o tratamento e acompanhamento que recebeu nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que abriu horizontes para o que é o cuidado em saúde mental e o que é o cuidado em liberdade. “O que eu e pessoas em situação de rua queremos como tratamento são os CAPS, não só o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), como também o CAPS Infantil, para evitar que no futuro mais pessoas passem pelo que eu passei na trajetória de rua. Queremos mais CAPS, cuidado em liberdade, estratégias de redução de danos e profissionais capacitados e que tenham empatia com a população em situação de rua”, ressaltou.
Mãe Nilse, da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, destacou o racismo religioso como determinante social, já que adoece e mata o povo preto de terreiro. “É uma violação dos nossos direitos. Nossa luta é por um SUS equânime e humanizado”, afirmou.
Já a representante do Movimento de Mulheres Camponesas, Noemi Margarida, falou sobre os determinantes sociais que afetam diretamente as vidas das populações do campo, floresta e águas, como pescadoras, marisqueiras, quebradeiras de coco e castanheiras. “Florestas devastadas, avanço do monocultivo, garimpo, mineração, contaminação das águas com metais pesados, destruição ambiental e uso de agrotóxicos vão totalmente na contramão do que entendemos como cuidado com a vida. Eles são determinantes para a nossa saúde. Quando olhamos para o conjunto todo, como vamos ter saúde física e mental?”, questionou. Ela lembrou ainda que esses fatores não atingem somente a população do campo, floresta e águas, mas também as populações dos meios urbanos, reduzindo, por exemplo, a diversidade alimentar.
A pescadora e defensora dos direitos humanos da Comunidade de Pescadores e Quilombolas de Conceição de Salinas (BA), Elionice Sacramento, falou sobre o acesso a políticas de saúde negado a vários grupos populacionais. “O modelo de desenvolvimento tem adoecido povos e comunidades tradicionais e tem ameaçado, violentado e exterminado povos e lideranças, em sua grande maioria, mulheres negras, em nome do capital. Essas pessoas e esses territórios ainda são invisibilizados para as políticas, inclusive a política pública de saúde. A luta da população do campo, floresta e águas é uma luta coletiva, que não começa em mim e não termina em mim”, sistematizou, durante o painel “Determinação social na saúde: um olhar sobre a construção da equidade e cidadania”.
A importância dos debates foi ressaltada pelo pesquisador André Fenner, do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília. “Que possamos, cada vez mais, construir aspectos da intersetorialidade para a promoção da equidade dentro das políticas de saúde”, defendeu. O grande desafio de pensar o lugar da integralidade e da universalidade do SUS com inclusão social e equidade foi colocado pela coordenadora geral de Equidade e Determinantes Sociais em Saúde do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Kátia Souto.
Durante a mesa de abertura da Conferência Livre, a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, destacou o papel das etapas preparatórias da 17ªCNS para o fortalecimento da participação social e a promoção do diálogo com a sociedade. “Que essa Conferência Livre seja um espaço de defesa contra todas as formas de discriminação e estigma históricas existentes no nosso país. Defesa da equidade, solidariedade e união, pela construção de um país mais digno para que as pessoas possam viver”, disse. Já a coordenadora de Promoção da Saúde da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Adriana Castro, sublinhou a importância de ter como ponto de partida a preocupação com os determinantes sociais e como eles se expressam no território, afetando os modos de vida das pessoas.
A mesa de abertura também foi composta pelo diretor do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Andrey Lemos; a representante da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil (OPAS/OMS), Socorro Grosso; a representante do Grupo Temático de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Dais Rocha; a chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde, Lúcia Souto; a representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e coordenadora da Comissão Intersetorial de Política de Promoção da Equidade, Heliana Hemetério; a representante do Fundo de População das Nações Unidas, Júnia Queiroga; e o secretário adjunto da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço.
Parte da programação foi transmitida ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no YouTube.
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