“Sou uma, mas não sou só”

Nathállia Gameiro 20 de março de 2024


“Companheiras, me ajudem que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com vocês ando melhor”. A ciranda foi um dos gritos entoados na aula inaugural do curso de Especialização em Direitos Humanos, Participação Social e Promoção da Saúde das Mulheres, realizada na última quinta-feira (14/3) e promovido pelo Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT).

O debate contou com representantes de movimentos sociais, lideranças, pesquisadoras, governo local e federal e gestão. Entre as pautas citadas, o sexismo, machismo, violência e as outras formas de discriminação que ainda fazem parte do cotidiano das mulheres. O evento começou contando histórias de mulheres que tiveram as vidas interrompidas pela violência.

“Consideramos esse dia como um dia de luta, dedicado ao fortalecimento da igualdade de direito para as mulheres e a luta comum contra todas as formas de opressão, empobrecimento, atraso, discriminação de raça e guerras de extermínio. A nossa luta é pelos direitos e pela vida humana. Precisamos andar juntas para fortalecer e consolidar políticas de emancipação de mulheres”, afirmou Gislei Knierim, integrante do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília e da coordenação político pedagógica da Especialização e do curso livre. As formações são com mulheres e para mulheres, um processo construído por várias mãos, como definiu Knierim.

A vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira, afirmou que lidar com políticas públicas que nem sempre transformam é um desafio moderno que o país vive. Para ela, o curso vai permitir empoderamento para a luta e busca de direitos, além da emancipação das mulheres com potencial de transformação, inaugurando a possibilidade de um país mais equânime.

A expectativa com o curso é atingir mais mulheres, como explicou a integrante da coordenação político pedagógica do curso e integrante do PSAT, Virgínia Corrêa. “Que possamos semear uma vida para outras mulheres e que a academia possa chegar para muitas outras, porque é um espaço que temos que ocupar. A academia precisa escutar os territórios. Vamos devagar, sem desistir, abrindo portas e barreiras enfrentadas por cada uma de nós mulheres. Nosso legado e desafio é irmos além”, ressaltou.

A oficial nacional da coordenação de Equidade, Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Saúde Mental da OPAS/OMS, Akemi Kamimura explicou como a violência afeta as mulheres todos os dias, afirmando que a participação social é fundamental para impulsionar políticas públicas de saúde, bem-estar e bem viver das mulheres.

A coordenadora-geral de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Dayana Brunetto, destacou que é preciso a união para produzir políticas públicas que transformem a vida de todas as mulheres, com a política feminista do cuidado e a atenção à saúde mental das mulheres no centro das preocupações. “Essas ações, debates e cursos de formação servem para pensarmos em estratégias porque precisamos pensar juntos: quem está no governo, na academia, no território e nos movimentos sociais. É só no coletivo que vamos conseguir avançar!”, disse.

O evento teve uma programação repleta de músicas, poesias e citações que destacaram as lutas diárias das mulheres. Entre as referências, um trecho de Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, citado pela diretora do Departamento de Promoção e Prevenção da Saúde do Ministério da Saúde, Kátia Souto. Para ela, em qualquer espaço que a mulher chega não é para dizer que está no poder, é para transformá-lo para a inclusão da diversidade, trajetórias, e para reconhecer uma caminhada que começou há muitos anos.

“Além disso, compartilhar poder e saber é um jeito de exercer poder. A hierarquia pode ser organizativa dos valores das formas de conduzir, seja os organismos internacionais, a gestão de espaços de poder público, mas a gente quer fazer também diferente para promover a equidade, caminhos para a igualdade de gênero, cor, raça e etnia”, afirmou.


Ela define como um desafio pela trajetória do Sistema Único de Saúde (SUS), que não é só urbano, contempla também campo, floresta, água, periferias da cidade e especificidades que são plurais e têm exclusões dentro delas mesmas. Não só uma diferença de quantidade populacional, mas também uma diferença cultural, étnico-racial, de gênero que está presente. De acordo com ela, o curso se inova e se revela por trazer em sua condução, conteúdo e metodologia a possibilidade da diversidade se expressar, inclusive a diversidade dos saberes e das práticas e não necessariamente só da academia.  

 

Direito à vida

O direito à vida está previsto na Constituição Federal, mas para muitas mulheres esta não é a realidade, como exemplificou a jornalista e professora Rosane Borges durante a aula magna do curso. Para ela, com as altas taxas de feminicídio, o direito à vida se tornou um capítulo importante para as mulheres e não mais o direito à saúde, emprego e moradia.

 

“A vida se concretiza nas formas de direito à saúde, nas formas de acessos a bens simbólicos e materiais. Temos um conjunto de regras não escritas desde a escravidão que alimenta os imaginários sobre o acesso à saúde e o quanto isso impacta na saúde e na vida das mulheres, que além de morrerem por balas e facas, morrem também por situações que nem são ditas”, explicou ao reafirmar que a vida é um direito inegociável, mas só será de fato quando todos se comoverem com episódios de feminicídios.

 

Rosane espera que o direito à vida seja mais que um enunciado pomposo e vazio, mas que realmente seja a palavra de ordem que faz com que as pessoas se afetem com o que está acontecendo no mundo. “E ao nos afetarmos, não tem como a gente não enxergar o que está acontecendo com as mulheres, com a população negra, LGBTQIAPN+ e todos desse mundo. O estado tem o dever de garantir os direitos. Os direitos não podem ser vistos como privilégios. É preciso pensar em direitos sem hierarquizá-los. Que o direito à vida seja realmente a palavra de ordem”, finalizou.

 

Participaram também a secretária de gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial, Iêda Leal de Souza; a diretora de Promoção da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Karina Miranda; a  integrante da associação pelos direitos de travestis e transexuais do gênero feminino do Distrito Federal, Ludmila Santiago; a coordenadora geral de Assistência Técnica e Extensão Pesqueira do Ministério da Pesca e Aquicultura, Maria Martilene Rodrigues de Lima; a coordenadora geral de saúde integral das mulheres do Ministério das Mulheres, Josilene Lúcia; a coordenadora de Mobilização Socioambiental na Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Karen Castelli; a assessora especial de participação do Ministério da Pesca e Aquicultura, Adriana Toledo; da assessora de participação social e diversidade do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Jéssica Leite; e a oficial de Programas do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Luana Silva; a deputada federal Erika Kokay.

 

A gravação será disponibilizada em breve no YouTube da Fiocruz Brasília.

Confira aqui as fotos do evento.

 

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