Relato de Sabrina Oliveira Campos de França
A residência tem sido uma experiência bastante diversificada. Momentos muito bons mesclados com experiências nem tão boas assim e por vezes bastante desafiadoras. São nesses momentos de desafios que questiono o processo de ser profissional de saúde e o como se fazer saúde.
Comecei a participar do Plano de Ação Interinstitucional para o atendimento da população em situação de rua em julho de 2022. O plano foi desenvolvido pelo Núcleo de Populações em Situações de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (NuPop) em parceria com o Programa Multiprofissional de Residência em Atenção Básica da Escola de Governo da Fiocruz -Brasília, da Gerência de Atenção à Saúde de Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais da Secretaria de Saúde (SES/GASPVP) e a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Ao iniciar a vivência no Instituto Tocar, casa de acolhimento para famílias em situação de vulnerabilidade social, confesso que me senti apreensiva, não sabia ao certo o que esperar. Tinha receio de não conseguir transmitir o meu papel como profissional de saúde para aqueles que mais precisam e que por muitas vezes tiveram o acesso à saúde negado ou dificultado.
Ao chegar na casa fui extremamente bem recebida, desde os servidores aos acolhidos. Os sentimentos se misturavam, pois ao mesmo tempo que sentia que deveria manter a “razão”, a “emoção” me dominava a cada momento que ouvia as mais diversas histórias de vida. Por vezes, as lágrimas enchiam os olhos e precisava puxar a razão novamente para aquele contexto. Conforme o vínculo era criado e fortalecido, começamos as ações propostas por nós residentes e pelas demandas da casa que surgiam, com isso, destaco as que mais marcaram não só para minha vida profissional, mas como ser humana que está em constante processo de evolução.
Realizamos uma oficina de pintura de unhas com as crianças do Instituto, um momento de recreação onde cada uma escolheram a cor e a forma que gostariam que as unhas fossem pintadas. Foi muito agradável ver a reação de cada uma, além de ter sido um momento para fortalecer vínculo com elas e trabalhar também temas como a autoestima e autocuidado.
A outra atividade foi um momento recreativo educativo com as crianças. Esta prática foi adaptada para todas as crianças da casa, para tentar discutir de forma indireta e lúdica a forma do desenvolvimento de suas competências socioemocionais e o autoconhecimento. A partir do filme Divertidamente, identificamos os sentimentos dos quais foram abordados no desenho, como: alegria, tristeza, medo, raiva, nojo, entre outros. Utilizamos desse momento uma forma de interagir com eles através de uma pintura dos personagens e conversa sobre com qual personagem cada um mais se identificava e o porquê.
A experiência nesses três meses de vivência na casa de acolhimento me fez refletir o quão importante e enriquecedor esse processo tem sido, não só como profissional de saúde e defensora do SUS, mas como ser humana, para ter o olhar expandido além das quatro paredes das unidades básicas de saúde. O trabalho multiprofissional na atenção primária tem sido de experiência única e tem me ajudado a encontrar forças além do que imaginava para tentar fazer o melhor com aqueles que mais precisam.
Sobre a autora
Sabrina Oliveira Campos de França é farmacêutica e residente do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Fiocruz Brasília.
“Dê Letras à Sua Ação” busca divulgar artigos assinados por estudantes de pós-graduação da Fiocruz sobre iniciativas relacionadas a seus trabalhos acadêmicos ou de seus colegas. Os relatos são de responsabilidade de seus autores.