Artigo de opinião de Jorge Mesquita Huet Machado (*)
É permitido envenenar as pessoas, as chuvas, as águas e alimentos? O PL do Veneno (6.299/2002) pretende produzir uma disseminação do uso de produtos não avaliados por critérios de saúde e ambientais. Por que aprovar uma Lei arcaica em nome de poucos que se beneficiam diretamente das renúncias fiscais do agronegócio químico-dependente?
Os sete pecados:
1- É anticonstitucional
A inconstitucionalidade é definida pela violação do direito de todas e todos à saúde como dever do Estado, na medida em que o PL do Veneno dificulta a avaliação dos riscos à saúde relacionados aos agrotóxicos. Afasta a missão do Sistema Único de Saúde (SUS), e em especial do sistema nacional de vigilância em saúde, na promoção do direito da população de não ser envenenada.
2- A falácia da modernidade
A supressão de critérios de avaliação toxicológica e de impactos ambientais é um retrocesso ao preconizado pela redução do uso de agrotóxicos, definida como estratégia do programa de gestão de riscos químicos estabelecida pela ONU. Vale destacar que essa estratégia foi construída multilateralmente com setores governamentais, não-governamentais e representantes das indústrias químicas – inclusive com destaque regional da liderança empresarial brasileira nessa pactuação.
3- A falsa redução da toxicidade
Ao desregulamentar a análise de toxicidade, a tendência é a produção de uma ignorância toxicológica a respeito dos produtos para quem está aplicando, uma invisibilidade para os órgãos de controle de vigilância em saúde e de preservação do meio ambiente, e um descontrole sistêmico da poluição química gerada.
4- A falácia da aplicação cirúrgica
Toda aplicação de agrotóxicos gera uma deriva, causando um acidente químico ampliado ao provocar resíduo imediato a ser metabolizado pelas matrizes ambientais – ar, solo, água –, com rotas de contaminação humana e animal múltiplas. Produz um incremento de risco à saúde humana e à sustentabilidade ambiental relacionada à quantidade, intensidade e natureza físico-química dos produtos aplicados.
5- A falsidade dos interesses
Há um grande negócio associado à cadeia produtiva e ao ciclo de vida dos agrotóxicos. Esses interesses têm forte representação parlamentar dos produtores e comercializadores dos agrotóxicos em larga escala. Dessa forma, se estabelece uma geopolítica de degradação ambiental e de acumulação relacionada a uma divisão internacional da produção de commodities agropecuárias, em que o Brasil entra como espaço de produção agrícola químico-dependente e de uso extensivo, intensivo e de contaminação dos recursos naturais.
6- O mercado como agente redutor de riscos
Com milhões de litros de produtos aplicados por ano e de dólares acumulados com isenções fiscais, não é de interesse do mercado a redução do uso de agrotóxicos. Nem mesmo a redução de impactos escapa da preocupação empresarial decorrente da avidez da produtividade a custo mínimo. Tanto é que os mecanismos regulatórios se encontram contaminados pelos interesses do mercado.
7- Campo de experimento de uso de agrotóxicos
O uso de agrotóxicos e sua diversificação têm uma tendência crescente e não necessitam de maiores incentivos desregulatórios. O Brasil já representa no cenário internacional o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Existe no parlamento um projeto que reduz o uso e aumenta a segurança química para população brasileira, que é o PRONARA, Programa Nacional de Redução do Uso dos Agrotóxicos, pactuado com os Ministérios da Agricultura e Produção Agropecuária, Ministério da Saúde e Ministério do Meio Ambiente, além desse consenso institucional também debatido com órgãos acadêmicos e da sociedade civil.
(*) Jorge Machado é médico sanitarista e do trabalho e pesquisador da Fiocruz Brasília. Ele participa, neste sábado (18/6), das 14h às 18h, da oficina “Vigilância popular em saúde e caminhos das águas, dos alimentos e das pessoas”, na 5ª Feira de Soluções para a Saúde, realizada dentro da I Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária, no Centro de Convenções de Natal (RN). Para quem não pode estar presencialmente no Centro de Convenções, a Feira de Soluções para a Saúde tem também atividades on-line.
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