A obesidade está aumentando em crianças e adolescentes, com impactos negativos na saúde desde a infância até a vida adulta. O problema também tem impactos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Uma pesquisa recém-divulgada calculou a carga econômica da obesidade infantojuvenil para o SUS: R$ 225 milhões foi o valor estimado com internações, procedimentos e medicamentos. O estudo foi realizado pelo Instituto Desiderata, Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP) e Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília. “Os custos com doenças preveníveis são evitáveis, bem como a infância deve ser protegida”, destaca o pesquisador Eduardo Nilson, do Palin, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo. Nesta entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, pesquisador”, ele explica como foi feito o cálculo da carga econômica, comenta causas e consequências da obesidade infantojuvenil, e aponta caminhos para a prevenção do problema, em especial as estratégias coletivas.
Quantas crianças com sobrepeso ou obesidade existem hoje no Brasil? Estamos entre os países com maior prevalência desse problema?
Eduardo Nilson: As estimativas para 2022 foram de 17% dos meninos e 14% das meninas com obesidade no país. Para esse mesmo ano, os dados de acompanhamento na Atenção Primária à Saúde do SUS mostraram que 6% das crianças de até 5 anos tinham obesidade e 14% tinham excesso de peso, e esses percentuais aumentam dos 5 aos 9 anos, em que tínhamos 16% das crianças com obesidade e 31% com excesso de peso. Isso significa que o Brasil está em uma posição intermediária no mundo, mas já está entre os países com maiores prevalências na América Latina. Até os anos 1990, tínhamos prevalências ao redor dos 5% para a obesidade infantojuvenil, mostrando que esse aumento é relativamente recente, mas muito rápido.
Por que a obesidade infantojuvenil está aumentando no Brasil e no mundo? Quais as principais causas desse fenômeno?
Eduardo Nilson: A obesidade é multicausal e tem uma determinação que vai além da saúde. Há um conjunto de fatores que podem influenciar a obesidade infantojuvenil, como genéticos, culturais, socioeconômicos e outros, mas são particularmente relevantes os fatores ambientais, que reúnem as mudanças nos padrões de atividade física (aumento do sedentarismo) e na alimentação. As mudanças na dieta estão entre as principais causas do aumento da obesidade em todas as faixas de idade, particularmente com a gradual substituição dos alimentos tradicionais da nossa dieta pelos produtos ultraprocessados, desde a primeira infância. Pontos preocupantes nisso são que adolescentes já consomem mais ultraprocessados do que os adultos e que o aumento no consumo de ultraprocessados é maior nas famílias de menor renda.
E quais as consequências da obesidade para a saúde de crianças e jovens?
Eduardo Nilson: Esse ponto é crucial, pois a obesidade na infância e adolescência aumentam não somente o risco de problemas de saúde na vida adulta, mas aumentam o risco da prematuridade de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e dislipidemias. Além disso, as evidências científicas internacionais mostram que a obesidade aumenta a duração e o custo de internações por outras doenças, inclusive as infecciosas. Um exemplo recente disso foi a obesidade ser reconhecida como fator de risco para agravamento da covid-19, em todos os grupos de idade, incluindo crianças.
Como prevenir a obesidade infantojuvenil?
Eduardo Nilson: Diante da multicausalidade da obesidade infantojuvenil, são fundamentais múltiplas estratégias para preveni-la. É importante notar que medidas coletivas são mais efetivas do que as focadas nos indivíduos. Entre essas estratégias coletivas, temos a educação alimentar e nutricional, a promoção da atividade física e, principalmente, as mudanças no ambiente alimentar das crianças. É no ambiente alimentar que estão as políticas mais custo-efetivas para a prevenção da obesidade, ou seja, aquelas que custam menos ao Estado e à sociedade e que têm os maiores impactos positivos. Dentre essas políticas, destacam-se a regulação da venda de alimentos nas escolas, a rotulagem nutricional frontal de alimentos, a regulação da publicidade de alimentos e a tributação de produtos ultraprocessados. Já iniciativas voluntárias lideradas pelo setor produtivo estão entre as medidas menos efetivas.
Como foi possível calcular o custo da obesidade infantojuvenil para o SUS?
Eduardo Nilson: Uma primeira importante conclusão de nosso estudo foi que a obesidade não é reconhecida como causa de internação para crianças e adolescentes, levando a uma invisibilidade do impacto econômico que ela causa. Diante disso, criamos uma metodologia de modelagem matemática que estima os custos atribuíveis à obesidade relacionados a internações, procedimentos e medicamentos no Brasil a partir de dados de custos de outros países, e aplicamos sobre os custos que são publicizados pelo SUS. Para dar uma dimensão dos custos da obesidade infantojuvenil no Brasil, nos últimos dez anos, eles representaram R$ 225 milhões a mais do que os custos com o tratamento de doenças por crianças com peso adequado.
Se, além do SUS, os serviços privados de saúde também tivessem sido contabilizados nos custos, o impacto seria ainda maior, correto? Quanto maior, é possível estimar?
Eduardo Nilson: Infelizmente não temos dados públicos de custos de internações, procedimentos e medicamentos da saúde suplementar no Brasil, então não é possível fazer uma estimativa semelhante. Mesmo assim, sabendo-se que em torno de 30% da população é coberta pelos serviços privados, certamente os custos atribuíveis à obesidade na saúde suplementar também devem ser consideráveis.
Por que é importante calcular a carga econômica da obesidade infantojuvenil?
Eduardo Nilson: Os estudos de custos das doenças, como este da obesidade infantojuvenil, são úteis, primeiramente, para dimensionar o problema em termos econômicos, além do que já se conhece em relação aos impactos na saúde da população, desde a infância à vida adulta. Além disso, os custos com doenças preveníveis são evitáveis, bem como a infância deve ser protegida. Além disso, os mesmos modelos podem ser usados para estimar o impacto potencial de políticas públicas de prevenção da obesidade e devem figurar entre as evidências usadas pelos formuladores de políticas de saúde e de outros setores.
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Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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