Jovens agentes populares de saúde debatem mídias digitais e saúde mental

Fiocruz Brasília 24 de junho de 2024


Núcleo Angicos / Fiocruz Brasília 

 

Na última quinta-feira, 20 de junho, cerca de 130 jovens se juntaram na plataforma Zoom para a aula ‘O papel das mídias sociais e da informação na Saúde Mental’ que integra o Curso de Formação de Agentes Populares das Juventudes do Distrito Federal. O curso contou com a facilitação de Alexandre Arns Gonzales, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília e integrante do Direito à Comunicação e Democracia, organização que pauta a democratização da comunicação. Outra contribuição foi de Mateus Quevedo, jornalista e comunicador popular do Núcleo de Educação Popular, Cuidado e Participação na Saúde – Angicos – da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, núcleo que desenvolve a formação junto ao Projeto AgPopSus-Juventudes/DF.

 

Após a abertura da aula, Oswaldo Bonetti, coordenador do Angicos e mediador do debate, apontou para a importância de trabalhar a comunicação. “O tema está alicerçado na própria intencionalidade pedagógica do Curso, em um momento em que não podemos formar agentes populares sem discutir a comunicação, que, ao mesmo tempo, tem ganhado bastante potência e se mostrado desafiadora”, afirmou, lembrando que, neste mês de julho, o Curso inicia o eixo de trabalho voltado à saúde mental.

 

Para Alexandre, o tema que envolve mídias sociais e informação em relação à saúde mental tem ganhado mais “evidência nos últimos anos, principalmente, no que se revela ao debate público a partir das denúncias de ex-funcionários de grandes empresas, como a Meta, controladora de redes sociais digitais como Facebook e Instagram”. De acordo com Alexandre, as mídias sociais e de informação “não são apenas tecnologias que reconfiguram a forma como a gente pratica ou desenvolve certas relações sociais, políticas e econômicas, mas são também serviços através dos quais as empresas, proprietárias dessas plataformas e mídias, decidem e atuam dentro de uma agenda, para além da agenda imediata do lucro, de transformação ou de mudança nas relações sociais”.

 

O roteiro da aula de González abordou o problema, que tem a ver com o modelo de negócios das plataformas digitais, que configuram seus sistemas algorítmicos de recomendação, favorecendo conteúdos nocivos em busca do tempo e do engajamento dos usuários, o que afeta diretamente a saúde mental desses usuários; e a causa do problema, ligada ao debate sobre o viés dos algoritmos que se organizam, segundo sua sistematização e funcionamento, para a decisão comercial das empresas e interações com usuários. “As plataformas estão levando determinados setores da sociedade a uma postura cada vez maior de radicalização ideológica”, disse.

 

“Entre outras questões, o problema que está posto – e que se relaciona com pensar o papel dessas mídias sociais e de informação na saúde mental das pessoas – é que esse modelo de negócio tem que ser regulado de modo a oferecer transparência sobre a tomada de decisões e a moderação de contas e conteúdos nesses ambientes”, apontou González. O pesquisador afirmou ainda a necessidade de um controle social: “é preciso criar um mecanismo, uma instância que permita a participação da sociedade e dos movimentos sociais para garantir transparência nesses processos”, finalizou.

 

O comunicador popular Mateus Quevedo foi pelo mesmo caminho ao mostrar a importância da regulação popular das plataformas digitais de mídias sociais e de informação. Iniciou sua fala apontando a problemática da memetização dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que ganharam ‘notoriedade’ nas redes sociais digitais comparados implicitamente com os manicômios. “O CAPS, na verdade, tem a ver com uma conquista da luta antimanicomial, que faz parte das reivindicações da Reforma Sanitária. Fazer uma comparação dessa é um grande equívoco, mas nós, que estamos nos formando agentes populares de saúde, precisamos levantar esse debate e mostrar, inclusive, a necessidade de que o CAPS esteja nos territórios ainda descobertos”, destacou.

 

Uma das obras citadas durante a fala de Quevedo foi a do sul-coreano Byung Chul Han, “A Sociedade do Cansaço”, apontando para o que o filósofo chamou de doenças neuronais contemporâneas. “Vivemos em um momento em que somos abarrotados de informações de todos os lados, o ‘dataísmo’ tem mudado a forma como nos relacionamos com as pessoas e com o mundo. Tudo isso afeta a forma como também nos enxergamos, e nos pressiona para também produzirmos informações. Não temos como processar tanta informação, não somos máquinas, e aí aparecem doenças como depressão, exaustão mental, síndrome de bournout e ansiedade, entre tantas outras, e a juventude acaba sendo um dos públicos mais afetados”, sublinhou.

 

A saída para essas questões, segundo o próprio autor citado por Quevedo, tem a ver com o exercício da alteridade. “Em vez de dedicar nossa atenção para a seleção que os algoritmos fazem de forma cada vez mais personalizada, o que podemos fazer neste momento é ouvir o outro de maneira atenta. Ouvir atentamente é um ato político, porque é a partir daí que entendemos e nos conformamos em comunidade – não podemos trocar relações por conexões”, recomendou.

 

Após a explanação dos dois convidados, os educandos participarem de debates em salas simultâneas e socializaram alguns dos principais pontos debatidos. “Uma das questões que mais conversamos foi sobre como os jovens hoje em dia desprendem muito tempo no celular, rolando a tela, e isso desencadeia uma série de doenças mentais. É preciso ter gerência e sabedoria em escolher bem os conteúdos que vamos querer consumir”, apontou uma das jovens participantes.

 

A educação midiática, a saúde mental e o protagonismo dos jovens na transformação da realidade são temas que vêm sendo explorados e devem ser aprofundados nos próximos encontros do Curso. O objetivo é desenvolver competências e habilidades em Educação Popular em Saúde, construindo uma identidade de grupo e espírito de coletividade entre os movimentos na luta pelo direito à saúde, qualidade de vida e promoção do Sistema Único de Saúde (SUS). O Curso conta com a parceria de 17 movimentos sociais, e 33 educadores e educadoras, contemplando 17 turmas com mais de 300 jovens envolvidos.

 

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