Painéis fortalecerão controle de leishmanioses

Fernanda Marques 26 de agosto de 2024


“O que não é visto não é lembrado”. O alerta foi feito pela agente comunitária de saúde Taniele Custódio na abertura do Seminário de Lançamento dos Painéis de Indicadores das Leishmanioses, realizado pela Fiocruz Brasília e o Ministério da Saúde (MS), em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), nesta quarta-feira (21/8). Vice-presidente da Associação Brasileira de Portadores de Leishmaniose, Taniele chamava atenção para a realidade de pessoas acometidas pela doença, que, muitas vezes, enfrentam estigmas, dificuldade para trabalhar ou estudar, falta de acesso a serviços de saúde e benefícios sociais, e tratamentos dolorosos. “Os indicadores não dão conta dessa realidade”, destacou a agente. “Depois que recebi o diagnóstico, tive a dimensão da importância de tratar os pacientes com mais humanização. ” 

 

Com o lançamento dos Painéis de Indicadores das Leishmanioses, que ocorreu no final da tarde, no auditório da Fiocruz Brasília, a expectativa é que os dados sobre leishmanioses possam subsidiar as melhores decisões para a redução do adoecimento e das mortes pela doença. Em um processo automatizado – para não sobrecarregar ainda mais os trabalhadores e gestores da saúde -, os painéis utilizam as bases de dados disponíveis, retiram duplicidades e outras inconsistências, e enriquecem a informação, facilitando cruzamentos e análises. É possível fazer pesquisas considerando o ano e a localidade, verificar casos novos, número de óbitos e taxa de letalidade, fazer estratificação de riscos e outros comparativos a partir de tabelas e gráficos. “Se os profissionais identificarem a necessidade de novos indicadores, é possível incluir”, disse um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos painéis, Stefano Codenotti, do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (NEVS) da Fiocruz Brasília.

 

Nesse primeiro momento, profissionais das secretarias estaduais e municipais de saúde que trabalham com leishmanioses poderão acessar os painéis, com login e senha, para conhecer a ferramenta e testar suas funcionalidades. Por enquanto, os painéis operam com dados de 2007 a abril de 2024, mas a previsão é que sejam atualizados em tempo real, além de ficarem disponíveis online para acesso por qualquer cidadão interessado. “Um painel é fácil de fazer, existem hoje muitas ferramentas disponíveis”, disse Noely Moura, pesquisadora do NEVS. “O diferencial é o que está por trás desses painéis, que são capazes de fornecer não apenas dados, mas dados oportunos para a tomada de decisões”, sublinhou. 

 

Noely apresentou o Projeto de Fortalecimento da Capacidade do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, fruto de um Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado entre o MS e a Fiocruz Brasília. Mais especificamente, a pesquisadora tratou de uma das metas desse Projeto, que consistia em desenvolver e apoiar a implantação de ferramentas para detecção, monitoramento e análise do comportamento de doenças e agravos prioritários. A elaboração de um painel de monitoramento era um dos objetivos específicos dessa meta, que foi alcançado graças à estreita colaboração entre equipes das áreas de saúde e de ciência de dados.

 

Para a elaboração dos Painéis de Indicadores das Leishmanioses, os pesquisadores mapearam todo o ciclo de vida dos dados sobre a doença e também a gestão desses dados, desde os municípios, onde os casos são registrados, até o MS. “Era preciso conhecer as realidades locais de estados e municípios, os processos de trabalho das equipes de vigilância, como funcionam, quais são os caminhos que os dados percorrem desde a detecção dos casos até a disseminação da informação”, contou Noely. Todo o processo foi mapeado e desenhado a partir de quem, de fato, o executa, o que possibilitou detectar fragilidades, em que é necessário agir para melhorar o trabalho, e fortalezas que devem ser replicadas. A programação do seminário, inclusive, contou com um painel em que foram apresentadas experiências exitosas de estados e municípios.

 

“O controle das leishmanioses é complexo, exige várias expertises, do campo ao laboratório, com o ouvido na sociedade civil”, destacou Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial (CGZV) do Departamento de Doenças Transmissíveis (DEDT) da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do MS. Ao longo dos últimos anos, observa-se uma tendência de redução das leishmanioses no Brasil. Ainda assim, em 2023, foram registrados 13.031 e 1.556 novos casos de leishmaniose tegumentar e visceral, respectivamente. A taxa de letalidade da leishmaniose visceral foi de 9,3%, percentual que pode estar subestimado.  

 

O Plano de Ação de Leishmanioses para as Américas 2023-2030 foi apresentado pela assessora Regional de Leishmanioses da OPAS, Ana Nilce Silveira Elkhoury – que também foi homenageada durante o evento por ser precursora da vigilância e do controle da doença no Brasil. Com base em dados do Plano anterior (2017-2022), o atual traz metas e indicadores para reduzir a morbimortalidade das leishmanioses. A expectativa, agora, é que os países tracem seus planos de ação nacionais. Na quinta-feira (22/8), profissionais de secretarias estaduais e municipais de saúde, do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Portadores de Leishmaniose, entre outros, continuaram reunidos na Fiocruz Brasília para discutir as estratégias brasileiras – tarefa na qual os Painéis de Indicadores das Leishmanioses poderão contribuir.

 

As leishmanioses (tegumentar e visceral) estão entre as chamadas doenças negligenciadas, ou de populações negligenciadas, que atingem os grupos mais pobres e periféricos do mundo e para as quais não há investimentos em pesquisas, tecnologias e programas. “Em relação às leishmanioses, existem dificuldades históricas de conhecer sua epidemiologia e determinantes sociais, além da carência de ferramentas mais eficazes de diagnóstico, tratamento e controle”, resumiu o coordenador do NEVS, Claudio Maierovitch. “O monitoramento das informações da esfera municipal à federal é de suma importância para identificar os pontos mais críticos. Com a entrega dos Painéis, estaremos um degrau acima”, completou. 

 

Participaram também da mesa de abertura do Seminário a diretora do DEDT/SVSA/MS, Alda Maria da Cruz; o representante da OPAS, Miguel Aragón; e o presidente da Associação Brasileira de Portadores de Leishmaniose, Alexsandro Souza do Lago.

 

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