Palestra sobre economia solidária e lançamento de Fundo de Resiliência marcam início de Curso de Educadores Populares

Fernanda Marques 24 de fevereiro de 2021


Ao dividir o PIB brasileiro de 2019 pela população do país, chega-se ao valor de R$ 11 mil por mês por família de quatro pessoas. De modo similar, ao dividir a produção nacional de grãos pela população, o resultado é 3,2 quilos de alimento por dia, por pessoa. “O Brasil não é um país pobre. O Brasil tem pobreza”. Com essa provocação, o professor Ladislau Dowbor iniciou a aula inaugural do Curso de Formação de Educadores Populares para a Promoção da Economia Social e Solidária em Tempos Covid-19, realizada online na tarde desta terça-feira (23/2). “Nosso problema é de organização política e social. Cada real nas mãos dos pobres fortalece o desenvolvimento. O desenvolvimento de baixo para cima é extremamente poderoso”, acrescentou.

 

Em sua palestra, Dowbor destacou a importância da gestão no nível local, com participação da comunidade. “A democracia política e a democracia econômica se juntam no âmbito local. É na base que você se aproxima das necessidades reais da população”, disse. “Hoje, o sistema financeiro explora, extrai recursos pelo endividamento, pelos juros, sem ofertar emprego, sem nenhum retorno produtivo. O resgate da produtividade dos recursos passa pela descentralização para o local, pela reapropriação pela base. Aplicar o dinheiro em coisas que as pessoas precisam: isso dinamiza a economia. Não é uma ideologia ou uma visão utópica. É a articulação eficiente entre os diferentes sistemas no nível local”, defendeu.

 

Dowbor (dowbor.org) é formado em economia política pela Universidade de Lausanne (Suíça) e doutor em ciências econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia (Polônia). Atualmente, é professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi consultor de agências das Nações Unidas e governos, e atua como conselheiro em diversas instituições. Sua área principal de atuação é o ensino e a organização de sistemas de planejamento. 

 

Assista à integra da palestra no canal da Fiocruz Brasília no YouTube

 

A palestra de Dowbor foi precedida pelo lançamento do Fundo de Resiliência Solidária (FRS), uma das metas do projeto “A construção de capacidades sociais para o enfrentamento da Covid-19 e suas consequências nos territórios pós-pandemia”, financiado pelo Programa Inova Fiocruz, por meio do edital “Ideias e Produtos Inovadores – Covid-19”. O edital foi criado para apoiar propostas que possam trazer ações, decisões e respostas rápidas, no contexto da pandemia de Covid-19. O projeto é uma iniciativa de alunas do Curso de Especialização em Governança Territorial para o Desenvolvimento Saudável e Sustentável, realizado pela Fiocruz Brasília e pelo Instituto Federal de Brasília (IFB/Campus Estrutural), em parceria com o Movimento de Educação e Cultura da Estrutural (Mece), entidade gestora do Banco Comunitário da Estrutural.

 

“A ideia do Fundo nasceu dentro de sala de aula, como uma forma de colocar o conhecimento em prática”, contou Flora Fonseca, representando as alunas integrantes do projeto. “Mapeamos as famílias mais vulneráveis; distribuímos máscaras e sabão, adquiridos de fornecedores locais; realizamos oficinas e ações de comunicação para mobilizar a comunidade; e agora convergimos para o lançamento do Fundo, que visa apoiar empreendimentos sociais e cooperativos que gerem trabalho e renda para fortalecer comunidades vulnerabilizadas do DF, por meio da arrecadação de recursos a serem reinvestidos nas comunidades, com foco na economia solidária”, sintetizou. O objetivo principal do FRS é auxiliar pessoas de comunidades de maior vulnerabilidade social, severamente afetadas pelos impactos socioeconômicos da Covid-19. 

 

“São essas comunidades as que mais sofrem com a Covid-19. E serão essas pessoas, que estão na ponta, com mais necessidade, as principais beneficiadas pelo Fundo”, afirmou Abadia Teixeira, presidente do Banco Comunitário da Estrutural e do Mece, entidade responsável pelo FRS, que começa na Estrutural, mas visa se expandir para outras comunidades do DF. “Bancos comunitários têm a responsabilidade de gerir fundos com transparência, fazendo com que toda a comunidade seja beneficiada, e contando com comissões de controle dentro da própria comunidade”, explicou. “O Banco da Estrutural existe desde 2012 com a missão de potencializar a comunidade para que ela mostre do que é capaz e faça a diferença na cidade”, completou.

 

Representantes de outras entidades que integram a Rede Brasileira de Bancos Comunitários também participaram do evento. De acordo com Joaquim Melo, do Banco Palmas (Fortaleza/CE), o primeiro banco comunitário do país, as 118 entidades que compõem a Rede movimentaram, em 2020, R$ 300 milhões, valor que, mais do que ativar as economias locais, serviu para atacar a miséria e a fome das comunidades. “É preciso continuar denunciando as grandes desigualdades e atuar no diálogo com o povo, na mobilização popular. A humanidade está no meio de uma rotatória: não podemos voltar pelo caminho antigo; temos que seguir pela estrada da inovação, de outro modelo de sociedade, de economia solidária”, apontou. Já Leonora Mol, do Banco do Bem (Vitória/ES), lembrou que a autogestão comunitária é algo complexo, porém representativo de uma nova cultura, a cultura da cooperação. “Os projetos de um banco comunitário não são focados apenas no desenvolvimento econômico local, mas, sobretudo, no desenvolvimento humano, alinhado ao processo de educação popular”, disse.

 

O secretário de Economia do DF, André Clemente Lara de Oliveira, destacou a importância da integração entre governo, sociedade civil organizada, setor produtivo e instituições de ciência para criar soluções e combater a desigualdade. “O DF é marcado por grandes desigualdades, mas é também um terreno fértil para essa integração. Para um serviço público mais bem prestado, é preciso sair dos gabinetes, conhecer as problemáticas e agir”, avaliou, saudando a iniciativa do FRS.

 

O coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília, Wagner Martins, lembrou a forte atuação da Fiocruz no enfrentamento da Covid-19, não só na produção de vacinas e em estudos epidemiológicos, como também na educação e nas políticas sociais. “Iniciativas como o FRS fazem parte da estratégia da Fiocruz para o enfrentamento da pandemia, como ações que fomentam a organização, a mobilização e a resiliência das comunidades vulnerabilizadas, porque são os mais pobres, os negros, os moradores de periferias e favelas os mais atingidos pela Covid-19”, destacou Wagner, que coordena o Curso de Formação de Educadores Populares para a Promoção da Economia Social e Solidária em Tempos Covid-19. Segundo o professor, a falsa oposição entre economia e vida tem causado muitas mortes evitáveis. “Não existe economia sem vida. É preciso conectar e organizar as pessoas para se ajudarem, produzirem e atenderem suas necessidades locais, gerando um movimento econômico dentro das próprias comunidades que propicie a vida. A economia precisa pegar o caminho da solidariedade e da cooperação, porque só assim conseguiremos superar a pandemia e suas consequências, com desenvolvimento sustentável, saudável e humano”, avaliou.

 

Oferecido pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília, em parceria com o Mece, o Curso de Formação de Educadores Populares para a Promoção da Economia Social e Solidária em Tempos Covid-19 encontra-se com inscrições encerradas. O curso é voltado a todos os interessados em multiplicar conceitos e práticas da economia solidária nos territórios, em especial no Distrito Federal (DF). As atividades são online e incluem orientações para que os alunos viabilizem ações locais em suas comunidades. O objetivo é disseminar práticas de organização produtiva de forma cooperativa e solidária em comunidades vulnerabilizadas, com vistas a uma população mobilizada e organizada em empreendimentos sociais que gerem trabalho e renda.