Quem cuida de quem cuida?
A Fiocruz Brasília, por meio do Programa de Evidências para Políticas e Tecnologias de Saúde (Pepts), desenvolve um projeto com uma série de estudos para auxiliar profissionais da saúde a prover os cuidados necessários às famílias de crianças com síndrome congênita relacionada ao Zika vírus no Brasil. Uma das pesquisas, em nível de iniciação científica, identificou as necessidades e dificuldades dos cuidadores de crianças com transtornos de neurodesenvolvimento. O trabalho foi selecionado na chamada para vídeos de experiências bem sucedidas e inovadoras em políticas informadas por evidências. A estudante de medicina Ana Luiza Gomes, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Fiocruz Brasília, fez uma apresentação na Mostra de Experiências Inovadoras na área de Evidências em Saúde, na última sexta-feira, 12 de novembro, durante a Semana de Inovação 2021 da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Foi exibido um vídeo curto de cada pesquisa selecionada, seguido de debate. Os vídeos serão divulgados na Vitrine do Conhecimento – atuação em políticas informadas por evidências – e também no portal regional da Biblioteca Virtual em Saúde, na coleção Vitrines do Conhecimento.
A pesquisa de iniciação científica é baseada na metodologia da Rede EVIPNET, da qual o Pepts é integrante desde 2015. A orientadora do trabalho é a pesquisadora Flavia Elias, fundadora da Rede de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS), que sintetiza evidências globais para contextualizar e adaptar os resultados de pesquisas em saúde para contextos locais, tendo como base o compartilhamento de práticas e conhecimentos entre as pessoas nos locais onde essas estratégias podem ser implementadas.
A pesquisa encontrou quatro estratégias que envolvem os sistemas de saúde e assistência social: a atenção integral à saúde centradas na família das crianças com transtornos de neurodesenvolvimento; o incentivo para melhores condições de vida para as famílias, por meio de apoio emocional, social e financeiro; o incentivo de vínculos afetivos entre o usuário e o profissional da saúde; e a promoção de linhas de cuidado para os cuidadores, centradas na autonomia e no autocuidado. Além da pesquisa nas bases de dados, o estudo contou com a ferramenta de diálogo deliberativo, técnica qualitativa que coleta informações e considerações sobre determinado assunto, problema e medidas de enfrentamento diretamente com pessoas envolvidas no assunto.
O diálogo deliberativo foi realizado em fevereiro deste ano e contou com a participação da ONG aBRAÇO a Microcefalia, de mães de crianças com transtorno de neurodesenvolvimento, que, juntamente com profissionais de saúde e de assistência social, conversaram sobre as estratégias e os desafios da implementação de acordo com os diferentes contextos. As pesquisadoras não encontraram relato de uma atenção para as cuidadoras, para lidarem com suas próprias necessidades. As principais barreiras elencadas dizem respeito ao incipiente preparo da Atenção Primária à Saúde para lidar com as necessidades das crianças, a baixa renda das famílias, o difícil acesso aos tratamentos especializados e ao transporte. Essas barreiras oneram cuidadores e famílias, esquecidos quanto às suas próprias demandas.
A jovem pesquisadora ressalta que o resultado teórico é importante, mas na sua avaliação o mais produtivo do processo de pesquisa foi a parte final, com o diálogo deliberativo. “Pude ouvir as pessoas que lidam com o problema diariamente e ficou mais clara a importância de políticas públicas para auxiliar o trabalho dos cuidadores”, afirma. O diálogo deliberativo foi realizado em formato online, assim como têm sido desenvolvidas todas as atividades de iniciação científica, devido à necessidade de distanciamento social no contexto da Covid-19. A equipe de pesquisa, após o diálogo, montou nova síntese de evidências e, agora, analisa as dificuldades e necessidades das pessoas com deficiências durante períodos de emergências de saúde, tema motivado pela pandemia.
Segundo a orientadora da pesquisa, inserir estudantes de iniciação científica em projetos dessa magnitude amplia o aprendizado dos jovens, que exercitam a pesquisa científica em equipe. “Enquanto a Ana Luiza cuidou da busca de evidências, nunca esteve sozinha, sempre alguém da equipe supervisionava o trabalho e acompanhava o aprendizado. As estratégias elencadas nos resultados da pesquisa surgiram de oficinas com a equipe do Pepts”, conta Flavia. A pesquisadora da Fiocruz Brasília ressalta ainda que o maior achado desse estudo está em verificar que a Atenção Primária e o setor saúde não atendem nem sabem das necessidades dos cuidadores. “É tão focado na criança ou na pessoa com deficiência que o cuidador fica em segundo plano, sem cuidado nem pelas redes que estabelece, nem pelos serviços de saúde. Por exemplo, não se aproveita o fato de a mãe sempre acompanhar o filho nas consultas para perguntar se ela está com o exame Papanicolau em dia. São oportunidades perdidas para essas mulheres que cuidam de seus filhos e poderiam ser cuidadas também”, conclui
Este é o segundo ano da estudante como bolsista do Pibic e, segundo ela, a iniciação científica é um aprendizado constante. “Aprendi muitas coisas, coisas que não se aprendem na faculdade sobre metodologia de pesquisa e busca em bases de dados. Esse método da EVIPNET tem ferramentas próprias que pude aprender, além de conhecer e usar vários aplicativos e sites que auxiliam na coleta de dados de pesquisa”, afirma ela, que tem 23 anos e está no 8º semestre de medicina. Também se envolveram na pesquisa a ex-aluna de iniciação científica Heloisa Lima Heler e as pesquisadoras Juliana Girardi e Maira Ramos. “A iniciação científica complementa a experiência acadêmica de forma eficaz. Compartilho com os meus colegas o que aprendo na Fiocruz Brasília”, finaliza a estudante.
O projeto da Fiocruz Brasília no qual a pesquisa de iniciação científica se insere tem como título “Auxiliando profissionais da saúde a prover os cuidados necessários às famílias de crianças com síndrome congênita relacionada ao Zika vírus no Brasil”, e é coordenado pela diretora executiva da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda, e pela pesquisadora do Pepts Flavia Elias, com financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Fiocruz no programa INOVA, e do Fundo Newton, em parceria com o Centro Internacional de Evidência em Deficiência da London School of Hygiene & Tropical Medicine.
A pesquisa será publicada em breve, na Revista de Atenção Primária. Clique aqui para ver o infográfico de divulgação científica da pesquisa.