Pesquisa e educação em busca de respostas rápidas para a pandemia de Covid-19

Nathállia Gameiro 16 de março de 2022


O ano de 2020 marcou o mundo todo com a chegada de uma nova doença: a Covid-19. Diversas instituições e empresas uniram esforços para pesquisar e buscar soluções para o enfrentamento desse novo vírus e de suas consequências. Na Fiocruz Brasília não foi diferente. Capacitação, pesquisa e trabalho direto com populações do Distrito Federal e de outros estados são algumas frentes em que a Unidade tem atuado desde o início da pandemia de Covid-19. Algumas dessas experiências foram apresentadas durante o painel Mosaico de experiências: Artesanatos Pedagógicos e de Experiências para Construção da Cidadania e Utopias. A atividade integrou a I Mostra da Escola de Governo Fiocruz – Brasília (EGF-Brasília), que teve início na terça-feira (15/3).

 

A busca constante por inovação e respostas rápidas aos desafios que chegam na área da educação e a construção de conhecimentos foram destacadas pela diretora da EGF-Brasília, Luciana Sepúlveda, ao falar sobre as ações desenvolvidas pela Fiocruz Brasília para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. “Quando estamos diante de uma situação crítica ou de emergência em saúde, que tensiona os limites que costumamos gerenciar como aceitável, percebemos o quão despreparados estamos. Situações essas que nos colocam ainda diante de questões humanitárias e sociais sem precedentes. Mas também é o momento em que nos reinventamos e enfrentamos uma diversidade de desafios que nos tiram da zona de conforto”, afirmou Sepúlveda.

 

A pesquisa em saúde foi fundamental para identificar o que os trabalhadores da linha de frente do cuidado e da assistência estavam sentindo. Falta de proteção, insegurança e medo no ambiente de trabalho, além do adoecimento, com cansaço extremo, estresse, tristeza, apatia, depressão, alteração de apetite, insônia e aumento do consumo de medicações e álcool, foram observados na Pesquisa das condições de trabalho dos profissionais da saúde no contexto da Covid-19 no Brasil e no estudo Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil, coordenados pela pesquisadora Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), com participação do pesquisador da Fiocruz Brasília Swedenberger Barbosa.

 

As pesquisas mostraram uma precarização do trabalho na saúde, agravada no período pandêmico. A primeira pesquisa obteve mais de 15 mil respostas; já a segunda, mais de 21 mil, de todas as regiões brasileiras. Os estudos foram realizados com profissionais de todos os estabelecimentos de saúde, públicos e privados: ambulatórios, hospitais, UPA, UBS, consultórios médicos e odontológicos, clínicas especializadas e de exames em geral, além de trabalhadores do setor funerário, condutores de ambulâncias, profissionais da limpeza e aqueles que realizam visitas sanitárias. Muitos ainda realizam outros trabalhos extras, conhecidos como “bicos”, para complementar a renda, atuando como porteiros, seguranças, condutores de mototáxi, babás, diaristas e vendedores ambulantes. Violência e discriminação social no trabalho, na vizinhança ou no trajeto para casa, além de despreparo, também foram alguns elementos que as pesquisas mostraram.

 

A falta de treinamento dos profissionais da linha de frente diante de um vírus desconhecido foi uma das motivações da pesquisadora da Fiocruz Brasília Débora Noal para a criação de um curso voltado para a saúde mental e a atenção psicossocial. “Temos uma população de profissionais de saúde que nunca teve na graduação nenhum curso ou introdução sobre saúde mental e psicossocial em contexto de pandemia. O que significa que tínhamos um grande contingente de trabalhadores que precisavam atuar, seja na linha de frente ou retaguarda, mas não sabiam por onde começar”, afirmou Noal.

 

O Curso Nacional de Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Covid-19 buscou acolher e reduzir o estresse e o desgaste emocional dos trabalhadores da saúde, oferecendo suporte para que pudessem enfrentar, com segurança e com base em evidências, as situações de trabalho, incluindo as reações mais frequentes, os cuidados e o que fazer a longo prazo para evitar ou reduzir a interrupção do atendimento e, com isso, um colapso da rede de saúde local.

 

“A primeira forma de estabilizar um trabalhador é oferecer condições de biossegurança, que dê a sensação de que existe uma preocupação com a vida dele, e oferecer uma qualificação. Esse era o nosso papel. Não podíamos oferecer equipamentos de proteção individual e muito menos dizer o que, dentro da estratégia de biossegurança, era primeira linha, porque não se tinha um consenso internacional. Mas podíamos oferecer a qualificação, o suporte formativo para o enfrentamento rápido e seguro”, explicou a psicóloga.

 

As estratégias foram pensadas para atingir cerca de 3 mil profissionais, incluindo vídeos curtos que pudessem viralizar para chegar aos gestores que estavam na linha de frente e não teriam tempo para buscar informação. Iniciou-se com seis cartilhas sobre os temas que norteiam a saúde mental, e lives. A partir das demandas de estados e municípios, ampliou-se para 20 cartilhas de fácil acesso e linguagem que pudesse ser entendida por qualquer pessoa. As publicações tiveram mais de 90 mil acessos. Mesmo com pouco tempo, com a mobilização rápida das equipes da Fiocruz Brasília, ainda nos primeiros 25 dias de pandemia, as estratégias resultaram em um curso de saúde mental e psicossocial para quase 70 mil trabalhadores e trabalhadoras da saúde de todas as partes do Brasil, na modalidade EAD. As informações estão reunidas no livro Recomendações e orientações em saúde mental e atenção psicossocial na Covid-19.  

 

Números expressivos de inscritos também foram vistos nos cursos da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS). Foram 6 milhões de matrículas totais, de todos os cursos já ofertados em todo o território nacional. O dado foi apresentado pelo pesquisador da Fiocruz, assessor e ex-secretário executivo da UNA-SUS, Francisco Campos, ao falar sobre o modelo implementado na UNA-SUS, que inclui 35 universidades com os melhores ranqueamentos do Brasil. O formato com redes online facilita o acesso inclusive de pessoas das áreas mais remotas do país.

 

Esses dados integram pesquisa que mostrou, por um lado, a grande busca dos profissionais de saúde por conhecimentos para a prática do trabalho, mas, por outro, a falta de apoio da gestão. “A UNA-SUS supre isso. Quanto mais temos evidências dos impactos da UNA-SUS no profissional de saúde em termos de educação permanente, mais podemos melhorar. Quando melhoramos, a população é beneficiada, porque usufrui do conhecimento desse profissional que está sendo qualificado”, destacou Jonatas Bessa, psicólogo integrante da Rede UNA-SUS.

 

População vulnerável e a Covid-19

No momento da crise, a Fiocruz Brasília também reafirmou compromisso de contribuir para a garantia da segurança e promoção da saúde das pessoas diante do agravamento das desigualdades sociais históricas. “Houve um esforço coletivo de docentes, discentes e de toda a casa no sentido de responder atuando na vigilância e na atenção primária, além de dar respostas às vulnerabilidades sociais presentes no território, com um olhar atento às questões que emergiam”, afirmou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. 

Durante o evento, o pesquisador Leandro Safatle ressaltou que as pessoas vulneráveis se tornaram ainda mais vulneráveis nesse tempo de pandemia, e ficou evidente que as desigualdades já existentes no país foram acentuadas, assim como situações de dependência econômica externa. Para ele, a Fiocruz teve um grande papel na transferência de tecnologia e na produção da vacina em tempo rápido, fundamental também para mitigar parte dos efeitos que a pandemia trouxe.

 

A organização de informações fidedignas, baseadas em evidências científicas e focadas na ação nos territórios do Distrito Federal foi pensada desde o início da pandemia. O suporte e a organização das atividades dos 680 residentes da Unidade, que atuam em diferentes estabelecimentos de saúde do DF; a capacitação desses profissionais para lidar com situações de emergência e desastre; o trabalho com agentes e comunicadores populares para que o senso de proteção e cuidado à saúde pudesse chegar fortalecido a todos os territórios: esses foram alguns pontos elencados por Damásio, destacando que muito foi feito e há ainda muito a fazer. 

 

O compromisso da Unidade com populações vulnerabilizadas extrapola as ruas da capital federal e entorno. O Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília capacita mulheres trabalhadoras rurais, pescadoras artesanais, marisqueiras, quilombolas e trabalhadoras urbanas em situação de vulnerabilidade em temas como saúde e direitos humanos, autogestão, geração de renda, economia, promoção e vigilância da saúde. A experiência do Curso Livre de Aperfeiçoamento em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho com ênfase em Saúde Integral das Mulheres foi apresentada pelo pesquisador André Fenner. Mais de 380 mulheres dos estados de Alagoas, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Tocantins, e do Distrito Federal estão sendo capacitadas.

 

Para a pesquisadora Socorro Souza, a presença da Fiocruz em realidades periféricas ajuda a mudar a percepção da sociedade sobre ciência, assim como a forma com que a instituição e seus pesquisadores e educadores dialogam e constroem soluções com as populações. A análise apresentada durante o painel faz parte de um estudo que buscou verificar formas de fazer a formação em saúde coletiva valorizando a pluralidade de saberes e práticas para atender às necessidades do território, tendo como objeto de pesquisa as ações da Fiocruz Brasília na periferia metropolitana do DF e no semiárido do Piauí.

 

Transformação digital como aliada da saúde

“Transformação digital é criar uma compreensão e uma cultura a respeito da era digital, que podem mudar a forma de educar e de fazer saúde. Para isso, é preciso ter a pessoa no centro do processo”, afirmou o pesquisador Wagner Martins, ao lembrar que a pandemia acelerou em cinco anos o processo de transformação digital que reconfigura nossas vidas.

 

Essas tecnologias digitais podem ter um grande impacto na saúde pública, abrindo diferentes oportunidades, de uma sala de cirurgia robótica e exames em 3D a um aplicativo para ajudar na vigilância popular em saúde na comunidade. “Isso forma uma inteligência cooperativa que vai ajudar na governança territorial”, explicou Martins, que apresentou a experiência da Hackathona. A iniciativa reuniu 71 pessoas com propostas de projetos de soluções digitais para a Atenção Primária à Saúde do DF no enfrentamento à pandemia de Covid-19 e suas consequências sanitárias, sociais e econômicas.

 

O painel foi transmitido online na tarde de terça-feira (15/3) pelo canal da Fiocruz Brasília no YouTube e pode ser assistido aqui.

 

A I Mostra de Experiências da Escola de Governo Fiocruz – Brasília continua até sábado (19/3) com diferentes atividades. Confira a programação em www.even3.com.br/mostraescolafiocruzbsb