O Brasil registrou mais de 1,6 milhão de casos de dengue e mil óbitos apenas este ano. “Estamos falando de uma enfermidade que acontece, de forma ininterrupta, há pelo menos 40 anos, cujo tratamento principal é água e solução fisiológica. Não devemos nos acomodar e aceitar essas mortes”, alertou o coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio. O pesquisador participou de painel sobre Ações, estratégia e programas na Rede Nacional de Laboratórios durante a 17ª edição da Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (17ª ExpoEpi) e falou sobre a magnitude do problema das arboviroses no Brasil.
Há um crescente número de casos anualmente, mudando apenas os sorotipos e as regiões do Brasil nas quais a circulação desse vírus se dá em maior ou menor intensidade. Quase todas as unidades da federação registraram óbitos, com menos casos na região norte do país. Os sorotipos 1 e 2 predominam, mas o pesquisador chama atenção para a circulação do sorotipo 3, que entre 2007 e 2008 circulou com maior intensidade no país, mas está voltando. “Percebemos a reemergência do vírus da dengue 3, o que sinaliza que ele poderá retornar com uma gravidade mais intensa, e a emergência de outras arboviroses urbanas cujos transmissores estão entre nós”, explicou.
Mais de 1,1 milhão de exames foram realizados pelo Sistema Nacional de Laboratórios (SISLAB), que classificou como um dos programas mais bem sucedidos na saúde pública brasileira, junto com os programas de HIV/Aids, tabagismo, transplantes, a Hemorrede e o Programa Nacional de Imunizações. “Toda essa rede laboratorial representa um patrimônio de saúde, um patrimônio do SUS e da sociedade brasileira”, definiu.
Rivaldo chamou atenção para o número de resultados negativos. “A pessoa tem uma manifestação clínica a ponto de ir a uma unidade de saúde. Foi solicitado exame e 80% desses vieram negativo. É altamente preocupante. O que está circulando? Não podemos aceitar como natural”, questionou ao destacar que a responsabilidade dos profissionais envolvidos na assistência, diagnóstico e planejamento das ações em saúde aumenta diante desse cenário. A enfermidade tem um conjunto de manifestações clínicas comuns a diversas enfermidades, sobretudo na fase inicial. Para ele, é preciso dedicação para entender a elevada negatividade de exames de arboviroses no tempo de coleta, armazenamento, transporte ou se é outro problema.
Venâncio destacou as arboviroses com potencial de emergências e reemergências, como o Oropouche orthobunyavirus nas regiões norte e centro-oeste, o Alphavirus Mayaro, que já apresenta pequenos surtos na região norte do país, além de Flavivirus que têm circulado em países europeus como Grécia, Espanha e Itália, com grande possibilidade de ocorrer uma transmissão em maior escala e serem introduzidos no Brasil. “Não basta nos preocuparmos, precisamos investigar. Não se encontra o que não se procura, é nesse contexto/cenário que entra os exames negativos”, lembrou.
Rivaldo apresentou ainda dados da chikungunya, com mais de 141 mil casos em 2023, com dispersão no país, do ponto de vista geográfico, e da zika, com mais de 7 mil casos. Ele chamou para reflexão sobre problemas na assistência e acompanhamento de filhas e filhos da zika e familiares.
A desigualdade social foi outro ponto abordado pelo pesquisador, já que impacta diretamente na incidência de epidemias em determinadas regiões. Segundo Venâncio, é preciso ter em mente que as epidemias de arboviroses vão continuar ocorrendo, pelo menos enquanto as novas tecnologias não estiverem disponíveis em larga escala, seja vacina ou outro instrumento para controle do vetor. “Não podemos impedir uma epidemia de arbovirose urbana, mas minimizar o impacto negativo. A ação de gestores de outras áreas além da saúde é imprescindível para o sucesso na prevenção e controle de epidemias, sendo chamados para assumir suas responsabilidades, assim como a melhoria da comunicação dos pesquisadores e gestores com a sociedade, capacitação continuada de trabalhadores para a detecção das arboviroses, planejamento com antecedência das atividades que serão executadas para o enfrentamento da epidemia e a aquisição de insumos”, declarou.
Participaram do painel também a Diretora do Centro Nacional de Primatas da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA/MS), Aline Amaral Imbeloni; a coordenadora geral de Laboratório de Saúde Pública do Ministério da Saúde, Marília Santini; o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Pedro Eduardo Almeida; e o pesquisador do Instituto Todos pela Saúde (ITpS), Anderson Fernandes de Brito.
Rivaldo Venâncio participou ainda da coordenação da mesa redonda “Prevenção, Preparação e Resposta às emergências em Saúde Pública no cenário mundial”, em que os palestrantes refletiram sobre as lições aprendidas nas emergências em saúde pública das últimas décadas.
A programação da 17ª ExpoEpi também contou com a participação de outros pesquisadores da Fiocruz, como Ana Lucia de Moura Pontes, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que falou sobre o enfrentamento à emergência por desassistência ao povo indígena Yanomami; Manoel Barral Netto, da Fiocruz Bahia, que abordou a importância da ciência na saúde; Fabiano Geraldo Pimenta Júnior, da Fiocruz Minas, que coordenou o painel “Vigilância em saúde: avanços nos últimos 20 anos no Brasil e perspectivas nas Américas”; Christovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), que coordenou a mostra “Vigilância em Saúde Ambiental e Vigilância em Saúde de Trabalhador” e participou dos debates sobre mudanças climáticas e saúde; Marcelo Ferreira da Costa Gomes, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que falou sobre a incorporação de novas tecnologias para o controle vetorial do Aedes; e Dayane da Rocha Pimentel, da Fiocruz Pernambuco, no painel sobre produção técnico científica por parte de profissional do SUS que contribuiu para o aprimoramento das ações de vigilância em saúde.
Debates, palestras e exposição fizeram parte do evento e a Fiocruz foi uma das instituições expositoras. No estande, o visitante pôde conhecer um pouco sobre as pesquisas realizadas pela unidade da capital federal nas áreas de soberania e segurança alimentar e nutricional, atenção primária à saúde, vigilância em saúde, saúde mental; transformação digital, saúde e ambiente, enfrentamento às desigualdades sociais, e comunicação em saúde; além dos cursos ofertados pela Escola de Governo Fiocruz-Brasília e a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), as atividades de outras unidades da Fundação e o acervo da Editora Fiocruz.
Homenagem
Durante a abertura da ExpoEpi, realizada no dia 7 de novembro, foram homenageadas pessoas e instituições que fizeram contribuições importantes à saúde pública do Brasil. Entre eles, Gerson Penna (Fiocruz Brasília), Akira Homma (Biomanguinhos/Fiocruz), Margareth Dalcomo (Ensp/Fiocruz), Christovam Barcellos (Icict/Fiocruz), in memorian de Reinaldo de Menezes Martins (Biomanguinhos/Fiocruz), Felipe Gomes Naveca (IOC/Fiocruz), Fiocruz e o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia).
ExpoEpi
Realizada desde 2001 pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), a ExpoEpi tem como objetivo divulgar e premiar as experiências exitosas desenvolvidas por profissionais e serviços de saúde do SUS que se destacaram pelos resultados alcançados para o aprimoramento da vigilância em saúde.
O evento é um espaço para troca de conhecimentos entre gestores, movimentos sociais, academia e profissionais do SUS. Este ano, mais de 1,8 mil trabalhos foram inscritos para o evento e em toda a programação, foram realizados 18 painéis, 14 mostras e duas mesas redondas.
Fotos: Laudemiro Francisco Bezerra (SVSA/MS) e Fernando Pinto (Fiocruz Brasília)