Pesquisador da Fiocruz Brasília e um dos coordenadores do Núcleo de Populações em Situações de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (Nupop), Marcelo Pedra assina um dos capítulos da coletânea “População em situação de rua: abordagens interdisciplinares e perspectivas intersetoriais”. Organizado por Nilza Rogéria de Andrade Nunes, Mônica de Castro Maia Senna e Giovanna Bueno Cinacchi, o livro foi lançado em julho deste ano pela Editora Rede Unida e está disponível em acesso aberto.
Em seu capítulo, Marcelo Pedra traz uma revisão da literatura científica sobre os Consultórios na Rua. Criados em 2011 por meio da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), são equipes multidisciplinares que constituem a principal estratégia de atenção integral junto à população em situação de rua, ofertando esse cuidado diretamente nas ruas e, também, nas Unidades Básicas de Saúde, bem como desenvolvendo ações de modo integrado com outras equipes. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) conta com 171 equipes de Consultório na Rua, enquanto, em março de 2020, havia 220 mil pessoas em situação de rua no país – número que deve ter aumentado após a pandemia de Covid-19 e suas consequências sociais.
Para compreender o processo de trabalho dessas equipes na realidade brasileira do SUS, Marcelo Pedra realizou uma revisão de artigos científicos nacionais disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram levantados 120 documentos, dos quais 43 continham informações relacionadas aos objetivos, à resolutividade e aos critérios de monitoramento e avaliação das equipes de Consultórios na Rua.
Conforme os artigos analisados, o acesso ao SUS e à Atenção Básica se destacam como objetivos dos Consultório na Rua, no sentido da efetivação do princípio da equidade e reconhecendo a existência de diversas barreiras para que a população em situação de rua, de fato, seja atendida nos serviços de saúde. Os documentos analisados revelam também a tensão que esses objetivos dos Consultório na Rua provocam em outras equipes e nos estabelecimentos públicos de saúde, pois a presença da população em situação de rua nesses espaços faz com que os trabalhadores precisem lidar com situações para as quais não foram preparados.
Nesse contexto, os estudos salientam que as equipes de Consultório na Rua não são especializadas, pois a população em situação de rua não deve ser atendida somente por essas equipes, mas por todas as equipes da Atenção Básica e do SUS. Isso reforça a importância de uma maior aproximação e integração entre as equipes, além de ações intersetoriais. A literatura consultada aborda, ainda, o que não deve ser objetivo de uma equipe de Consultório na Rua. “Ela não deve ter por objetivo que as pessoas saiam das ruas, mas sim garantir cuidado e atenção integral, proporcionando qualidade de vida para a população em situação de rua”, escreve Marcelo Pedra.
Sobre a resolutividade dos Consultórios na Rua, os estudos discutem a capacidade que essas equipes têm de reconhecer e responder às demandas da população em situação de rua. Adverte-se, porém, que o papel dos Consultório na Rua não é somente conduzir a população em situação de rua para outros serviços, mas também eles próprios ofertarem o cuidado para essa população, incluindo os espaços da rua, desde a realização de curativos e exames até ações de educação, prevenção e “construção de laços mais amplos de proteção”. A literatura científica recomenda, ainda, a discussão dos processos de trabalho e a educação permanente para aumentar a resolutividade dessas equipes.
Quanto ao último aspecto analisado – monitoramento e avaliação –, os estudos apontam, sobretudo, o cadastro da população em situação de rua. Mas destacam também a importância de que o trabalho não seja considerado apenas a partir de sua dimensão quantitativa, como número de pessoas atendidas, delimitação territorial e dados epidemiológicos. Essa dimensão objetiva é fundamental para conhecer a população assistida e aferir se suas necessidades estão sendo atendidas, mas há que se levar em conta também elementos subjetivos, como o relacionamento entre profissionais e pacientes, a continuidade do cuidado e a comunicação intersetorial.
“Ainda são tímidas as referências disponíveis na literatura científica sobre os Consultórios na Rua em relação aos objetivos, à resolutividade esperada para estas equipes no contexto da Atenção Básica e aos critérios de monitoramento e avaliação”, afirma Marcelo Pedra na conclusão do artigo. “A análise da literatura científica indica que questões que podem ser centrais para a solidificação e a sustentabilidade desta política pública parecem ainda estar fora do campo de debates estabelecido na atualidade destas equipes”, recomenda.
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