A transformação digital na saúde não é algo reservado para o futuro, já acontece hoje, em diferentes laboratórios de pesquisa pelo Brasil. Quem passou pela 6ª Feira de Soluções para a Saúde na manhã desta segunda-feira, 27 de novembro, teve contato com tecnologias apresentadas por pesquisadoras da Fiocruz que vem transformando a coleta e análise de dados de saúde no Brasil. As soluções respondem diferentes problemas da área da saúde, mas que, no futuro, podem se complementar.
Durante seu doutorado, Izabela Gimenes, observou que em meio à era digital, que permite uma vigilância genômica de agentes infecciosos e populações, os pesquisadores não têm uma logística eficiente ficando, por vezes, sem acesso a um diagnóstico em tempo oportuno, por exemplo. A partir deste problema, ela conduz um projeto que busca sistematizar a vigilância genômica de tubérculos e de Covid-19 por meio do Laces-DF, em parceria com a Fiocruz. Neste projeto, amostras biológicas coletadas são transportadas para o laboratório por duas vias diferentes: uma, pelo tradicional transporte terrestre e a outra por meio de um drone desenvolvido específico para esse delicado transporte. Lá, testes e análises comparativas vem sendo feitas por métodos genômicos, avaliando a qualidade de tempo, eficácia e custo desta inovação.
Sua equipe de pesquisa já sistematizou o panorama mundial envolvendo amostras de tubérculo e Covid para a vigilância, e o trabalho será publicado em uma revisão de escopo. Segundo ela, a partir dos resultados com o drone, há interesse de pesquisa para se criar uma malha aérea no Brasil, específica para o transporte de dados de ciência e a expectativa é que a solução ganhe mais maturidade tecnológica. “Futuramente, os drones específicos para pesquisa terão autonomia de percorrer até cem quilômetros”, ressaltou.
Já a jovem pesquisadora Thais Minuzzi, apresentou as novidades no projeto que avalia a eficácia das estratégias de triagem após o teste de HPV e compara o custo-efetividade do rastreamento e triagem baseado em HPV com o desempenho histórico da citologia convencional do SUS. As pesquisas são realizadas no primeiro laboratório de pesquisa clínica e primeiro Biobanco da Fiocruz Brasília, o Laboratório Marco. Entre as novidades apresentadas na Feira e já em uso pelo laboratório estão o IRIS, um aparelho portátil chamado coloscópio, que faz a imagem do colo do útero e treina algoritmos para detectar lesões a partir desta coleta de imagens que alimenta seu banco de dados; o ScreenFire, um novo teste mais rápido, barato e portátil de genotipagem de HPV e um novo protocolo de rastreio e triagem de câncer de colo do útero, por meio de autocoleta. Este último, prevê que a participação de 20 mil mulheres de 30 a 49 anos, que vêm sendo recrutadas para a autocoleta rápida e indolor com inserção de um swab no colo do útero. Para chegar às mulheres e possibilitar a autocoleta, as pesquisadoras realizam eventos específicos da Fiocruz ou montam a estrutura de banheiros químicos em eventos de parceiros, além de também buscarem voluntárias de pesquisa individualmente, de casa em casa, como no caso da região de Lago Azul, no DF. A equipe de pesquisa já coletou dados em diferentes locais, desde a rodoviária do Plano Piloto, a 5 quilômetros da sede da Fiocruz na capital federal até em Formosa, a 77 quilômetros. Além do DF, que tem o índice de 14,47 casos para cada 100 mil habitantes, a pesquisa vai coletar dados também em Manaus, com mais que o dobro de casos, e incidência de 35,71 por cem mil habitantes.
As mulheres fazem a autocoleta e em até uma semana, recebem a resposta da equipe se o teste foi positivo ou negativo para células de HPV. As positivas são acompanhadas pelo projeto, encaminhadas para uma Unidade Básica de Saúde, onde fazem o preventivo ou Papanicolau. Com o dispositivo IRIS, se faz uma foto do colo de útero. Ao mesmo tempo, se faz uma coleta via citologia convencional, em lâmina e com a citologia de base líquida. Essa passa por um colposcopista, que vai visualizar a lesão e o encaminhar tratamento adequado. Após a biópsia, o material é armazenado em lâminas, e um escaneador digital separa as células, para que os profissionais visualizem-nas inteiras, o que é impossível por meio dos microscópios convencionais. “A partir do ano que vem, vamos levar todo o material para o campo de coleta de dados, e realizar as três fases da estratégia de prevenção no mesmo dia: a autocoleta, os teste posteriores e até a termoablação para tratamento da lesão, já que o IRIS possui uma sonda que possibilita isso. Isso diminui as idas ao serviço de saúde e possibilita diagnosticar e tratar rapidamente, de uma vez só”, ressaltou.
Além do transporte e da coleta de dados de pesquisa, outro tema apresentado foi o uso de grandes bases de dados administrativos integrados para pesquisa em saúde. A vice-coordenadora do Cidacs, Maria Yury Travassos Ichibara, apresentou a experiência do Cidacs, que já produziu duas coortes integrando diferentes bases de dados públicas tais como o Cadastro Único; o Minha Casa, Minha Vida; o IBGE, etc. : a Coorte de 100 milhões de brasileiros, que possui mais de 130 milhões de pessoas registradas e a Coorte de Nascimentos, com mais de 28 milhões. “Os dados são coletados em tempo real, sem interrupção, e abrangem toda a população. O sistema de nascidos vivos surge em 1994 e tem dados desde essa época”, disse.
Os diferentes cruzamentos de dados nessas bases já geraram o impressionante número de mais de 300 artigos científicos publicados, mostrando a potência dessas coortes para analisar os determinantes sociais e seus impactos nas políticas sociais. Ela explicou ainda como os dados administrativos desses sistemas se tornam dados de pesquisa, em um ciclo que vai desde a obtenção, produção, análise, armazenamento e preservação, com uso e reuso e compartilhamento de dados.
Segundo ela, os desafios para esse uso de grandes volumes de dados são muitos, e vão desde a governança dos dados, por exemplo, na negociação de acesso a dados nominais (identificados) com os múltiplos proprietários de dados, os procedimentos de análise de integridade dos dados transferidos, como garantir a ética, segurança e privacidade dos dados; o tratamento dos dados muito heterogêneos; os recursos computacionais para obter, receber, armazenar, preservar, atualizar e manejar dados; os procedimentos de alto nível de segurança e privacidade física e virtual, bem como a implementação de ferramentas capazes de armazenar e processar grandes volumes de dados ; até a necessidade de gerar novas metodologias para se analisar esses dados.
Izabela Gimenes, Thais Minuzzi e Maria Yuri pesquisam temas bem diferentes, mas que podem se complementar. Enquanto Thais coleta dados primários de pesquisa, Izabela busca melhorar a logística de transporte de amostras, Maria Yury armazena e cruza informações de diferentes bases de dados. Futuramente, as amostras coletadas pela equipe de Thais poderão ser transportadas pela logística aérea a ser implementada pela equipe de Izabela e também ser integrados às base de dados da equipe de Maria Yuri. A ciência não se faz sozinha, e o trabalho em equipe, com essa conexão de ideias, pessoas e possibilidades são marcas da Feira de Soluções para a Saúde.
A programação da 6ª Feira de Soluções para a Saúde vai até quarta-feira, 29 de novembro. Clique aqui e saiba mais.