O Projeto de Lei 6299/2002, mais conhecido como “PL do Veneno”, que propõe flexibilizar o uso e registro dos agrotóxicos no país, desconsidera todo e qualquer impacto na saúde, no meio ambiente e na economia. A observação perpassou os depoimentos de todos os seis especialistas que participaram na última quarta-feira (23/05) da Audiência Pública para debater os impactos dos agrotóxicos na cidade, promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados. E os impactos descritos foram muitos: contaminação da água, do ar (por meio da volatização e deriva de pulverização dos venenos), de alimentos de origem animal e vegetal, contaminações de trabalhadores nos campos e cidades (jardineiros, transporte e manuseio de produtos etc), além de um rol extenso de doenças.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que anualmente ocorram 25 milhões de casos de envenenamento por agrotóxico, com 20 mil óbitos. No Brasil, no período 2007/2017, somaram mais de 107 mil os casos de intoxicação com 3.452 mortes, conforme dados do SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Os números foram apresentados por Guilherme Franco Netto, assessor de Saúde e Ambiente da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. Ele destacou que os efeitos dos agrotóxicos vão além da contaminação, causando diversos tipos de cânceres, abortos e morte fetal, má-formação congênita, redução do número de espermatozoides, desregulação endócrina, alergias, alterações nos sistemas imunológicos, nervoso, gastrointestinal, circulatório e muitos outros.
Tabaco, amianto e agrotóxicos foram apontados pelo especialista da Fiocruz como riscos presentes na sociedade contemporânea, cabendo a ela enfrentá-los. O especialista relatou que na década de 1950, foram identificadas evidências consistentes de o tabaco causar cânceres, mas que foram necessários 50 anos para a sociedade entender e enfrentar o assunto. No caso do amianto, após décadas de luta, só recentemente o uso foi banido do Brasil.
A PL dos agrotóxicos, segundo Franco Netto, é uma medida que propõe o desmonte de uma legislação republicana que, além de ser uma referência mundial, estabelece cuidados importantes, como a concessão de registro resultar de uma deliberação conjunta de órgãos da saúde, meio ambiente e agricultura. O pesquisador foi enfático ao destacar problemas existentes na PL 6299/2002, como ocultação do risco, centralização de poderes no Ministério da Agricultura, suspensão de avaliação de risco dentre outros.
“Ao propor a substituição do termo ‘agrotóxico’ por ‘produtos fitossanitários’ e ‘produtos de controle ambiental’ ocorre um reducionismo que oculta a compreensão de que agrotóxicos são tóxicos, além de comunicar uma falsa segurança, induzindo a uma falsa crença de inocuidade”, afirmou Guilherme Franco, que citou a etimologia das palavras: agrotóxico vem da junção de agro, que significa terreno cultivável e de tóxicos que significa veneno. Já “produtos fitossanitários” vem da junção de fito=planta com sanitário=saúde.
O pesquisador acrescentou que as propostas contêm uma inversão do conceito de risco ao propor que os agrotóxicos devem ser proibidos apenas nos casos em que, “nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”, conforme prevê o texto da proposta. Além de ir na contramão da tendência internacional, pois recentemente a Comunidade Europeia fez alterações nos critérios de regulação de risco e perigo, igualando ao previsto na lei em vigor no Brasil.
“A liberação do uso de agrotóxicos proibidos na União Europeia causará restrição das exportações brasileiras de produtos que contenham resíduos de agrotóxicos que apresentem estes efeitos”, disse o especialista.
Carla Bueno, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, disse existir um grande interesse de empresas transnacionais por trás da proposta do projeto de lei “do veneno” e que estes mesmos conglomerados que produzem os agrotóxicos são donos das indústrias farmacêuticas. O mesmo foi destacado por Rafael Arantes, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC). Ambos foram contundentes nas críticas ao PL do Veneno.
Pedro Luiz Serafim, subprocurador geral do Trabalho e coordenador do Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxicos, e Tereza Raquel de Sena, coordenadora do Fórum Sergipano, falaram sobre as consequências de exposição dos trabalhadores rurais, tais como suicídios, mal de Parkinson, autismo e outras neuropatias. Tereza apresentou resultado de pesquisa recente que mostra aumento de surdez entre os trabalhadores.
Jacimara Guerra Machado, Diretora de Qualidade Ambiental do IBAMA, falou da importância de se preservar a legislação vigente e citou que monitoramentos realizados periodicamente pela Anvisa, por intermédio do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), indicam presença de venenos em diversos alimentos in natura.
Fotos: Mônica Geovanini/Fiocruz