Mãe Gilda de Ogum: assinatura dos acordos

Mariella de Oliveira-Costa 4 de setembro de 2024


Clícia Dourado viajou de Rio Branco, no Acre,  para a capital do país, onde assinou ontem, 3 de setembro, um documento inédito para sua biografia – e para o SUS. Por meio do Alamoju Centro de Cultura e Pesquisa,  ela foi contemplada em edital Mãe Gilda de Ogum para capacitar 20 mulheres em três cursos: corte-costura, velas aromatizadas e doces de santo (usados nas celebrações religiosas). Segundo ela, o recurso vai ajudar no pagamento dos professores e materiais usados nas aulas, das quais podem participar mulheres que praticam a religião ou não. “Somos de uma região carente de iniciativas que apoiem o empreendedorismo feminino, então o edital vem em boa hora para abrir mais portas para nós, que sofremos preconceito,” afirmou ela, que oferece cursos para mulheres desde 2010. 

 

Além do projeto de Clícia, outras 29 iniciativas de diferentes estados brasileiros foram contemplados no edital organizado pela Fiocruz Brasília e pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR),  que vai destinar R$ 1,5 milhão para criar políticas de desenvolvimento sustentável para quem vive a religiosidade de matriz africana de terreiro. A assinatura dos acordos entre o governo federal e os responsáveis de cada projeto foi realizada ontem, e contou com  saudações aos orixás, bênçãos e falas de servidores públicos, como a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, que agradeceu a oportunidade desta parceria com o MIR e comentou que a execução dos projetos aprovados representa uma união interministerial. “Cada projeto foi avaliado e acolhido. Então, contem com a Fiocruz, vamos juntos, pois, assim, somos mais fortes”, disse. 

 

O nome do edital, Mãe Gilda de Ogum, homenageia a ativista social Iya Gilda, que vivia no bairro Nova Brasília de Itapuã, onde até hoje está instalado seu terreiro. Em 21 de janeiro do ano 2000, ela  faleceu devido a um infarto. De acordo com a organização do evento, a morte foi devido à intolerância religiosa provocada por ataques do jornal da Igreja Universal do Reino de Deus às pessoas que frequentavam o terreiro (invadido e depredado) e chamando-a de charlatã.

 

Durante a solenidade, a  ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco,  comentou a necessidade de ouvir as demandas do povo dos terreiros para acolher e agir. “Aprendi com minha mãe que, palavras o vento leva, é preciso cumprir o que nos propomos com esses projetos.” O secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do MIR, Ronaldo dos Santos, lembrou que a pasta está em momento de reconstrução, após “desmonte da democracia” no governo anterior. “É preciso superar o passivo existente em nossa história colonial. ” Ele adiantou que será lançada, em breve, uma política específica para povos de terreiro.  

 

A vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira e Silva, coordena este edital e vai acompanhar  a execução das atividades. Ela comentou que o documento é um marco para a Fiocruz, e uma resposta às teses 6 e 10 do Congresso Interno, com agenda institucional focada na saúde da população negra. “Espiritualidade e religiosidade importam para a saúde. Existe uma ciência que a branquitude eurocêntrica não explica, basta entender as relações de proximidade desses povos com o universo e com os elementos da natureza, com o plantio e a colheita como parte da vida,” ressaltou. A Fiocruz Brasília já investiu em  iniciativas específicas para os povos de terreiro, como um número especial do periódico científico Revista de Alimentação e Cultura das Américas e  o projeto Economia ecológica, saúde, soberania, segurança alimentar e nutricional em territórios religiosos de matriz africana no Distrito Federal.  O coordenador de relações institucionais da presidência da Fiocruz, Valber Frutuoso, exemplificou como os terreiros podem ser espaços de promoção da saúde. “O uso de plantas e alimentos cultivados nesses espaços, bem como as práticas relacionadas ao percurso terapêutico e religioso, além de ações de atendimento e acolhimento, podem melhorar a saúde mental das pessoas.” 

 

O Edital Mãe Gilda de Ogum foi viabilizado como Termo de Execução Descentralizada (TED 18/2023), por meio do projeto GEREB 022 FIO23, e viabilizará a execução de 30 projetos de terreiros de todo o Brasil. Saiba quais foram os  30 projetos selecionados no edital e as instituições que vão executá-los.  

 

  • Axé Criativo: Empreendedorismo, Cultura e as Raízes do Corpo Ancestral – Coletivo Vieses do Ser; 
  • Economia do Axé – vestindo o sagrado e impactando vidas – Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu; 
  • Terreiro Axé Opo Aganju- Memória, Acervo e Preservação das Tradições Culturais – Sociedade Beneficente Ilê Axé Opô Aganju; 
  • Tranças-Artesanato e Culinária Afroindentitárias –  Ong Ile Funfun Ase CECEJI; 
  •  Yás na Agroecologia: cultivando tradições e sustentabilidade –  Associação Cultural e Beneficente Cosme e Damião; 
  •  Moda Afrodiásporica: ancestralidades ao século21 –  Centro Espírita Egbe Ile Iya Omidaye Ase Obalayo; 
  •  Igbo-Oogun—Floresta-de-Remédios –  Instituto Brasileiro Sou Eu; 
  •  Omodé: de grão em grão se faz a tradição – Associação Cultural em Tempos de Ayoká; 
  •  Ofó – Papo de Curimba “Mulheres Negras e (re)Existência” – Centro Cultural de Tradições Afro Brasileiras Ylê Asé Egi Omim;  
  •  Zimewanga – Circuito Makota Valdina –  Fonsanpotma – Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana; 
  •  Associação Afro Brasileira Casa do Mensageiro Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare –  Niifeomi Amor as Águas uma comunidade que protege o rio; 
  • Eko Pẹlu Ijó Omi: Aprendendo com a Dança das Águas –  Egbé Ypò Órun; 
  •  Águas de Oxalá – Ensinado Cultura e Religião Afro-brasileira na Samambaia DF – Associação Beneficente Kwe Oya Sogy; 
  •   Ilê Asé Iya Oju Omi – Feira de Arte, Moda e Diálogos Afro Culturais – Associação Cultural Bantu Brasil; 
  •   IRANTI-Tambor de Mina e Candomblé do Maranhão por Mãe Kabeca de Xangô –  Casa Fanti Ashanti; 
  •   Empoderamento Econômico das Mulheres da Pedreira: Fortalecendo a Economia do Axé –  Instituto Cultural Nagô Afro-Brasileiro; 
  •   Costurando Saberes e Fazeres Ancestrais –  Instituto Mancala; 
  •   Jardim-EcoMedicinal-dOssaim –  Associação Cultural Casa das Artes – Acasa; 
  •   Khubata, Laboratório de Desenvolvimento Sustentável para Comunidades de Terreiro –  Nzo Casa da Aroeira; 
  •   Tecer Axós, Tecer Axés – Associação Sociedade Seguidores de São Gerônimo; 
  •   Quintal Agroecológico Xwê Ná Sin Fifá – Templo de Tambores de Mina Jeje-Nagô Xwê Ná Sin Fifá; 
  •   Além das Tranças – Ile Oxum Ominibu; 
  •   Caminho das folhas cultivando a ancestralidade encantada –  Casa de Axé Iansã das Águas de Fogo – Ilê Asé Oyá Inã Omi; 
  •   Tambores da Magia: Dialogando com a Ancestralidade –  Associação Ilê Asé Danadana; 
  •   Mulher Tambor – O tempo mostra indígenafro latinamericana e caribenha  –  Laboratório de Intervenção Artística-Laia; 
  •   PARAOPEBA VIVE –  Terreiro Caminhos de Ogum; 
  •   Cultura e Economia: Capacitação para Mulheres de Axé-  Alamoju Centro De Cultura e Pesquisa;  
  •   Farmácia Verde – ervas medicinais e saberes terapêuticas de terreiro  – Comunidade da Compreensão e Restauração Ilê Asé Osun Omi Ire;  
  •   Moda de Terreiro – Respeitando o saber ancestral de cada tradição –  Ilê Omolu Oxum;  e
  •   Ẹgbẹ́ ọ̀nà ìmọ̀ – Encruzilhada de Saberes na Rota dos Terreiros de Itacaré –  Terreiro Sítio das Matas. 

 

Assista à gravação do evento no canal da Fiocruz Brasília. 

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