Gabriel Maia/ Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (Psat)
A partir do compromisso com a promoção da saúde, sustentabilidade e articulação de políticas públicas, o Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília visitou três comunidades com experiências inspiradoras após o X Encontro da Articulação do Semiárido (EnconASA), em Alagoas. A Comunidade Quilombola da Serra da Mandioca (Dois Riachos), o Instituto Irmã Dorothy com o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (Igaci), e o Projeto Sururu na Comunidade do Vergel (Maceió) receberam a equipe do PSAT para intercâmbio de saberes e diálogo acerca dos desafios e oportunidades para inovação social e fortalecimento popular e comunitário.
Comunidade Quilombola da Serra da Mandioca (Dois Riachos)
A Comunidade Quilombola Serra da Mandioca, no município de Dois Riachos, Alagoas, celebrou em 28 de maio de 2024 uma conquista histórica: o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares como território remanescente de quilombo. Este marco reafirma a identidade, os direitos e os saberes tradicionais de seus moradores, além de impulsionar a inclusão de políticas públicas voltadas às comunidades tradicionais. A organização e articulação para o reconhecimento tem se desdobrado em aproximações e estratégias para o fortalecimento territorial, o que estimulou o encontro para intercâmbio de experiências com o PSAT.
A visita do PSAT, em articulação com a Secretaria de Saúde Municipal, representada por Jefferson Florencio e Roberto Firpo, e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Alagoas (Cosems/AL), representada por Edijaria Camilo, responsável pela pasta da equidade, foi marcada por um diálogo intersetorial e de aproximação com a comunidade Quilombola. Pertencentes ao Quilombo, estiveram presentes a benzedeira Maria Rita de Sá, a artesã Silene de França e a meizinheira Marlene Dias, que mantêm vivas práticas tradicionais ligadas ao cuidado e à cultura e expuseram seus conhecimentos, oportunidades e desafios. Além delas, Edivânio Nascimento, presidente da associação de moradores, compartilhou os desafios para o reconhecimento e sustentabilidade organizativa da comunidade quilombola.
O diálogo foi destacado pela importância da mobilização comunitária que culminou no reconhecimento quilombola e das potencialidades e oportunidades da comunidade junto aos aparelhos de Estado para o fortalecimento territorial. A equipe multidisciplinar – incluindo agentes de saúde, dentistas, médicos e profissionais de nutrição, psicologia e assistência social – evidenciou a importância de uma equipe multidisciplinar para a sustentabilidade e efetividade da promoção da saúde na rede de atenção primária no território, além da aproximação com o protagonismo das comunidades tradicionais para sustentabilidades das ações e defesa de seus direitos históricos.
Instituto Irmã Dorothy e o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (Igaci)
No Agreste alagoano, em Igaci, o Instituto Irmã Dorothy, mantido pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC), recebeu a visita do PSAT com o objetivo de discutir ações conjuntas voltadas à formação e mobilização do campesinato da região.
Fundado em 2010 pelo MTC, o Instituto Irmã Dorothy nasceu como um espaço de transformação social, reunindo pessoas comprometidas em construir “um outro mundo possível.” Seus princípios fundamentais – organização, trabalho e cooperação – orientam o processo formativo e a luta coletiva por mudanças estruturais.
Entre os destaques do encontro, a atuação dos Agentes Populares de Saúde do Campo foi amplamente debatida pelo papel de mobilização comunitária e promoção da saúde integrada à Agroecologia. Criados durante a pandemia de COVID-19 no Ceará, os Agentes Populares se expandiram para outros territórios, como o Distrito Federal, Chapada Gaúcha, São Paulo, Maranhão e Rio Grande do Sul,onde tem se expandido para debater outros diálogos possíveis, como a promoção da equidade.
O encontro reafirmou o compromisso do PSAT com as ações de organização para construção de um modelo de sociedade mais justo, saudável, sustentável e solidário. Com base na agroecologia e no fortalecimento da saúde coletiva, as ações propostas apontam para a criação de redes de cooperação que se referenciam nas suas próprias especificidades locais e potencialidades de ação no Agreste alagoano.
Projeto Sururu e a Comunidade do Vergel (Maceió)
Encerrando as visitas em Alagoas, o PSAT conheceu de perto o Projeto Sururu, apresentado pela assistente social do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), Saysia Salomão. A iniciativa, que começou em 2019, nasceu para transformar as cascas do sururu, antes descartadas como resíduos, em fonte de renda e modelo de economia circular para comunidades carentes ao redor da Lagoa Mundaú, em Maceió.
Patrimônio imaterial de Alagoas, o sururu é um molusco central à cultura e à subsistência das marisqueiras da região. Cerca de 300 toneladas de cascas são produzidas anualmente pelas cinco comunidades mais vulneráveis do entorno do lago. As marisqueiras recolhem as cascas, que são secas ao sol, limpas e ensacadas. Esses sacos são enviados para o entreposto do IABS, onde são pesados e trocados por Sururotes, uma moeda social que promove autonomia financeira e economia solidária. O material é então processado, passando por granulação para produzir insumos como cobogós e pó para uso industrial, atividades que contam o apoio de parcerias como a empresa Portobello e a Universidade Federal de Alagoas, que conduz pesquisas para melhorar o aproveitamento do material.
No coração do projeto estão as marisqueiras, agentes fundamentais na economia circular proposta. A cada mês, cerca de 20 mulheres cadastradas participam de encontros que abordam temas como saúde, gênero e geração de renda. A articulação vai além: oficinas de reaproveitamento alimentar, letramento social e capacitações técnicas promovem o fortalecimento comunitário e ampliam oportunidades. Embora o projeto tenha foco principal nas mulheres, homens também contribuem, ajudando no ensacamento, pesagem e transporte das cascas.
Um dos desafios do projeto está na atuação em comunidades como o Vergel, onde questões como violência e vulnerabilidade financeira são predominantes. Nesse cenário delicado, o trabalho social do projeto assume um papel de suma importância com diálogo constante e demanda perspectivas para fortalecimento da organização e mobilização comunitária.
Reflexões e Futuro
As trocas realizadas pelo PSAT em Alagoas destacam o potencial transformador das parcerias intersetoriais. Quilombolas, trabalhadores do campo e marisqueiras trouxeram à tona a riqueza de seus saberes, enquanto políticas públicas e inovações sociais apontam caminhos para um futuro mais inclusivo e sustentável. A construção de Territórios Saudáveis, Sustentáveis e Solidários é um desafio coletivo que demanda a troca de experiências como espaços fundamentais para aproximação do conhecimento técnico, vivências comunitárias e saberes tradicionais que convergem para a promoção da saúde e sua relação com o ambiente e o trabalho.