Fato: era um domingo, 20 de julho de 1969, quando o homem pisou na Lua. Versões: 1) A Missão Apolo 11 nunca esteve na superfície lunar. O feito foi na verdade uma farsa para que os americanos assumissem a dianteira durante a corrida espacial contra os soviéticos na década de 60. 2) Neil Armstrong disse a sua famosa frase – “Este é um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade” – dentro de um estúdio, diante das câmeras do cineasta Stanley Kubrick, que transmitiu o espetáculo para televisões em todo o mundo. 3) A figura de uma pessoa de jaqueta e jeans, que aparece refletida no visor do traje espacial de um dos astronautas em “uma fotografia”, é “prova” de que tudo não passou de montagem.
Os muitos rumores em torno de um mesmo acontecimento já existem bem antes da internet ser usada para difundir informação em tempo real. Mas, na era das mídias digitais, as notícias falsas se sofisticaram: relatos inverídicos, verdades parciais e boatos estapafúrdios são compartilhados por meio de blogs, sites, perfis (legítimos ou não) em redes sociais e aplicativos como o WhatsApp, na velocidade de um foguete. Como se não bastasse, grupos das mais diferentes doutrinas e ideologias têm se especializado na criação de portais para produzir fake news — como ficaram conhecidas aquelas notícias com cara e corpo de jornalismo, mas que não são jornalismo. É muito provável que você que está lendo esta reportagem agora também já tenha caído no “conto do vigário” e passado adiante informação infundada. Como diz aquele famoso “meme”, termo utilizado para se referir a uma ideia, textos, imagens ou vídeos bem humorados que viralizam na web, “Quem nunca?”.
Diagnóstico
Para Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o mundo contemporâneo colocou em xeque os antigos regimes de verdade em que as figuras de autoridade tradicionais eram inquestionáveis. “Agora, existe uma espécie de ‘ruidocracia’, com muitas pessoas disputando a produção de verdades, o que coloca a autoridade do médico, do professor ou do político, por exemplo, sob suspeita”, alerta a pesquisadora. “É como se todo mundo fosse corrupto. E, em meio a essa nuvem tóxica de desconfiança, quem mais sofre os efeitos é a democracia”. A “nuvem tóxica” já vem deixando um rastro considerável. As últimas eleições norte-americanas, que levaram Donald Trump ao poder em 2016, podem ter sido seriamente influenciadas por fake news, assim como o resultado do Brexit, quando um referendo levou o Reino Unido a deixar a União Europeia, em junho de 2016.
Segundo estudos dos cientistas políticos Brendan Nyhan (Dartmouth College), Andrew Guess (Princeton University) e Jason Reifler (University of Exeter), um em cada quatro norte-americanos visitou sites de fake news e 27% dos eleitores teriam acessado pelo menos uma dessas notícias durante a campanha presidencial. Longe do domínio dos fatos, surgiram notícias de que Barack Obama, do mesmo partido democrata de Hillary Clinton, era o fundador do Estado Islâmico ou de que o casal Clinton comandava uma rede de prostituição ou ainda de que o Papa Francisco havia declarado apoio a Trump. Mesmo que os pesquisadores afirmem não haver evidências concretas de que as fake news tiveram peso decisivo sobre o voto dos eleitores de Trump ou que prejudicaram a adversária Hillary, as pesquisas indicam que pessoas com gosto de leitura mais conservadora consomem e difundem com maior facilidade esse tipo de informação.
Igor Sacramento, pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict/Fiocruz), concorda que as fake news emergem de forma avassaladora em um contexto de crise das instituições contemporâneas que atinge inclusive a política, a ciência e o jornalismo. “O mundo passa de um regime de verdade baseado na confiança das instituições para outro regulado pelos dogmas, pela intimidade e pela experiência pessoal”, sustenta. Para ele, não se trata apenas de opor “true” news, no sentido de existir uma verdade absoluta, a “fake” news. “Existe uma disputa de narrativas em que lugares de verdade tradicionais são tensionados por outras vozes, agentes sociais e grupos que se organizam nas redes”, diz Igor. O pesquisador sugere que, para pensar o tamanho do problema, é preciso entender como se dão essas disputas em um contexto “digitalmente engajado”, em que as pessoas sentem-se estimuladas a procurar informação o tempo inteiro. “O problema hoje não é a falta, mas o excesso de informação e de busca por informação”, decreta.
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