Saúde mental e o protagonismo dos adolescentes

Fiocruz Brasília 24 de maio de 2022


Bárbara Anaissi* (Nusmad)

 

Os retrocessos e ataques recentes às políticas públicas de saúde mental, a resistência da sociedade civil e os preparativos para a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que ocorrerá em novembro: estes temas foram destaque na última terça (17/5), na Câmara dos Deputados, em Sessão Solene pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial. A audiência contou com a participação de diversas instituições, profissionais e usuários da saúde mental que trabalham pela Reforma Psiquiátrica brasileira e pelos direitos das pessoas com sofrimento psíquico. Na abertura do evento, foi exibido um vídeo – produzido pelo Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad) da Fiocruz Brasília e pela TV Pinel – sobre a exposição “Morar em Liberdade”, que percorreu o país entre 2018 e 2019, divulgando narrativas do Programa de Volta para Casa, política pública fundamental voltada para egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos.

 

Na Sessão Solene, Luisa de Marillac, promotora de Justiça da Defesa da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), destacou a participação de adolescentes e jovens institucionalizados nas Conferências Regionais de Saúde Mental, e comentou o trabalho para que eles sejam reconhecidos como sujeitos da luta antimanicomial. “Inauguramos aqui no Distrito Federal a participação de adolescentes na Conferência de Saúde Mental do DF. Tivemos delegados escolhidos entre adolescentes e jovens para a Conferência Distrital. Nas Conferências Regionais, eles participaram, não só usuários do serviço, mas também adolescentes do socioeducativo, de serviços de acolhimento e em situação de rua, discutindo a construção de políticas que são para eles mesmos”, afirmou.

 

Entretanto, ainda existe um caminho a ser percorrido para o reconhecimento desses adolescentes e jovens como sujeitos de direitos. “Adolescentes e jovens ainda são asilados, afastados das famílias, para tratamento de saúde mental, incluindo a drogadição. Existem medidas de internação juridicamente questionáveis, segregadoras da liberdade, violadoras dos direitos de convivência familiar e comunitária. Medidas que retiram o direito de expressão, cidadania e autonomia”, lamentou Luisa. “Esse debate precisa ser ampliado”, defendeu a promotora do MPDFT.

 

Assista aqui a gravação da Sessão Solene

 

Territórios da Construção de Si

Em parceria com a Fiocruz Brasília, o MPDFT desenvolve, desde dezembro de 2020, o projeto Territórios da Construção de Si: processos de desinstitucionalização de jovens e adolescentes pela maioridade, que promove ações inovadoras para garantir a essa população o acesso a direitos básicos e fundamentais: o direito de autonomia e de cidadania. Desde março, as duas instituições realizam ações sobre saúde com adolescentes de abrigos e outros que vivem em situação de rua no DF. Eles participam de oficinas com discussões sobre SUS, saúde mental, políticas públicas, autonomia, participação e contratualidade social. “Esses primeiros diálogos foram concebidos como práticas preparatórias para qualificar a participação dos adolescentes e jovens nas etapas regionais da Conferência de Saúde Mental”, explica Fernanda Severo, pesquisadora do Nusmad. “Nos encontros, eles compartilham reflexões e questionam, por exemplo, por que adolescentes de abrigos têm um atendimento mais rápido do que aqueles que vivem na rua”, conta.

 

Entre participações online e presenciais, os adolescentes e jovens estiveram na Pré-Conferência Livre e na Conferência Livre de Saúde Mental do DF, em 28 e 30 de março, e nas Conferências Distritais das Regiões Oeste e Sudoeste, em 19 e 27 de abril. “Saúde mental é ter liberdade, ter lazer e tudo mais. É não ficar preso. Todo mundo tem que discutir sobre essas coisas e seguir em frente”, disse um adolescente em uma dessas ocasiões, conforme lembra Rosana Viegas, promotora de Justiça da Defesa da Infância e da Juventude do MPDFT. Sempre acompanhados por profissionais dos abrigos e com apoio das equipes da Fiocruz e do MPDFT, os adolescentes e jovens tiveram a oportunidade de expressar pública e coletivamente seus anseios, medos e opiniões, como sublinha Rosana.

 

De acordo com André Guerrero, coordenador do Nusmad, diante do desmonte de políticas públicas de saúde mental e da fragilidade dos equipamentos do cuidado, é ousado e, ao mesmo tempo, necessário abrir espaços para que os adolescentes e jovens se expressem e amplifiquem suas vozes. “É em busca desse avanço na garantia de direitos que o Ministério Público e a Fiocruz têm desenvolvido um extenso cronograma de pesquisas, articulações e outras ações para o protagonismo desses adolescentes e jovens nas Conferências de Saúde Mental, espaços públicos de controle social do SUS e fortalecimento da democracia brasileira”, conclui.

 

Saiba mais sobre a parceria entre o MPDFT e a Fiocruz Brasília

 

*Colaborou Fernanda Severo (Nusmad)

Crédito da imagem de destaque: Radilson Carlos Gomes (foto da frente); acervo do Museu do Inconsciente (imagem do fundo). Produção: Daniel Ledra