“Saúde mental para todos”: estudo sobre (des)financiamento no Brasil foi apresentado no primeiro dia do evento

Fernanda Marques 20 de outubro de 2020


Fernanda Marques

 

Teve início nesta segunda-feira (19/10) o evento online “Saúde mental para todos – investimento e acesso para o exercício da cidadania”, organizado pela Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad), para celebrar o Dia Mundial da Saúde Mental (10/10) deste ano. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realiza uma campanha com o tema Move for mental health: let’s invest (em português, Ação pela saúde mental: vamos investir).

 

Alinhada ao tema, a Fiocruz Brasília convidou a pesquisadora Renata Weber Gonçalves, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nuppsam/IBUP/UFRJ), para apresentar os resultados preliminares de um estudo – ainda não publicado – sobre gastos federais em saúde mental no Brasil. O Ministério da Saúde divulgou esses dados de 2001 a 2013, mas, desde então, existe uma lacuna na série histórica. O estudo de Renata busca, justamente, recompor essa série, não só para verificar os valores investidos, como também para identificar onde é feito esse investimento, compreendendo os rumos da política de saúde mental.

 

O evento online continua nesta sexta-feira (23/10), das 17h30 às 19h30, com palestras de Pedro Gabriel Godinho, professor da UFRJ, José Miguel Barros Caldas de Almeida, professor da Universidade Nova de Lisboa, e Catarina Magalhães Dahl, consultora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que vão discutir o (des)financiamento da saúde mental no cenário internacional. No terceiro e último dia do evento (29/10), também das 17h30 às 19h30, haverá o lançamento da Revista do CEBES – Retratos da Reforma Psiquiátrica – e do Catálogo da Instalação Morar em Liberdade, com as participações de Fabiana Damásio, diretora da Fiocruz Brasília, Cristiani Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Maria Lucia Frizon Rizzotto, editora científica da Revista Saúde em Debate do CEBES, e do professor e sociólogo Paulo Delgado (mediação de André Guerrero, coordenador do Nusmad/Fiocruz Brasília).

 

Todas as atividades são transmitidas pelo YouTube da Fiocruz Brasília. O evento integra a programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2020.

 

Gastos federais em saúde mental no Brasil

De acordo com Renata, o financiamento é um tema de grande relevância para a saúde mental, mas ainda pouco estudado nesse campo. Ainda segundo a pesquisadora, o tema é especialmente importante em países como o Brasil, onde está acontecendo uma transição de uma atenção à saúde mental direcionada ao modelo hospitalar para outra centrada no cuidado comunitário, pois, conforme aponta a OMS, nessa transição, existe um risco de desfinanciamento.  

 

A partir de uma metodologia que busca extrair os componentes relacionados à saúde mental de diferentes funções programáticas do orçamento público, Renata conseguiu fazer estimativas e reconstruir a série histórica de gastos federais com a política de saúde mental, corrigindo os dados pela inflação para reais de 2019. Observou que os gastos tiveram uma queda em 2016 e depois ficaram estáveis, sem crescimento: esses gastos foram de cerca de 2,6 bilhões de reais em 2019, um valor próximo ao observado em 2009.

 

Para compreender melhor esses dados, a pesquisadora separou os gastos hospitalares dos extra-hospitalares. Em 2001, a linha dos gastos hospitalares era superior à dos extra-hospitalares; elas se igualaram em 2006 e, a partir daí, a linha dos gastos extra-hospitalares passou a ser maior. Nos últimos anos, porém, as duas linhas se estabilizaram e se tornaram paralelas, ficando os extra-hospitalares responsáveis por 88% dos gastos e os hospitalares por 12%. Segundo Renata, embora, de certa forma, esse paralelismo fosse esperado, ele pode ter sido precipitado e isso é preocupante, porque a transição brasileira do modelo hospitalar para o comunitário ainda não foi concluída.

 

Para analisar mais a fundo esses dados, a pesquisadora calculou os gastos com saúde mental por pessoa e o percentual da saúde mental nos gastos totais da saúde. A saúde mental representava apenas 2,7% dos gastos da saúde em 2001 e, em 2019, essa dimensão era ainda menor, somente 2,1% – ou R$ 12,50 por pessoa. “Para países que estão fazendo a transição, o risco de perda de recursos é real”, disse Renata. E esse risco se traduz no aprofundamento da diferença entre o número de pessoas que precisam de assistência em saúde mental e o número de pessoas que efetivamente recebem esse cuidado. “A perda de recursos da rede de atenção psicossocial, junto com o desfinanciamento do SUS, é de um nível de gravidade enorme”, acrescentou. A pesquisadora comentou, ainda, a linha dos gastos federais com comunidades terapêuticas, mostrando que ela varia de acordo com o gestor, subindo e descendo ao longo dos anos.   

 

Internautas enviaram suas perguntas para a palestrante por meio chat do YouTube durante a transmissão ao vivo do evento, que contou com a mediação da pesquisadora June Scafuto, do Nusmad/Fiocruz Brasília. Assista ao vídeo na íntegra