A situação dos jovens negros em conflito com a lei; os desafios para responsabilização protetiva e o enfrentamento ao racismo estrutural no âmbito do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase); as faces da violência racial contra jovens negros no sistema socioeducativo e as redes protetivas e de cuidado em saúde mental de jovens negros em conflito com a lei no DF foram debatidas na segunda-feira (16), em seminário no auditório da Fiocruz Brasília.
Com a temática “Saúde mental e enfrentamento à violência racial no Sistema Socioeducativo no Distrito Federal”, o evento foi realizado pela ANPSINEP – Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es), em parceria com o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília e com a Secretaria de Justiça do DF, por meio da Gerência de Saúde Mental de Jovens e Adolescentes (GESAM) da Diretoria de Saúde de Jovens e Adolescentes (DISAU). E contou ainda com o apoio da organização Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e pela Fundação Tide Setubal.
O seminário teve como objetivo promover um debate com pesquisadores e especialistas sobre a Lei nº 12594/2012 que institui o atendimento a adolescentes que cometeram ato infracional regulamentado pelo Sinase, além de dar voz às questões do negro no espaço socioeducativo frente à lei e o direito de acesso à saúde, em especial, à saúde mental. O coordenador do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad) da Fiocruz Brasília, André Guerrero, destacou a parceria das diversas instituições enfatizando a importância de estreitar os laços e unir os esforços dos que se preocupam com a temática e podem trabalhar juntos, discutir e tirar posicionamentos com um impacto maior no sistema socioeducativo e na sociedade, preservando a garantia dos direitos humanos da população mais vulnerável.
Guerrero lembrou também do significado simbólico deste evento na semana em que é celebrado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. A data marca as mobilizações pelo fechamento dos manicômios e o fim das violências contra as pessoas em sofrimento mental, além de promover o combate às violações de direitos e garantir um cuidado digno e humanizado durante o tratamento psiquiátrico. A celebração tem como marco o dia 18 de maio e “a gente tem que desmontar essas instituições e devolver a dignidade para as pessoas que vivem refém deste processo”, enfatizou.
Elcimar Pereira, coordenadora da Região Centro-Oeste da ANPSINEP, refletiu sobre a questão de como estão os jovens negros em conflito com a lei, ao recordar a tragédia no Centro de Internação Provisória (CIP) para menores em conflito com a lei, em 25 de maio de 2018 e que resultou na morte de dez adolescentes no estado de Goiás. Ela destacou que a responsabilização por meio da imposição de medidas socioeducativas deve proporcionar ao adolescente e ao jovem a possibilidade de ressignificar o ato infracional cometido, e não ser convertida em punição seletiva, desproporcional e violenta. “Temos muito o que fazer para combater o racismo estrutural e sistemático dentro do sistema socioeducativo”, afirmou ao falar do projeto de fortalecimento da rede de proteção e cuidado aos jovens negros em conflito com a lei, idealizado pela ANPSINEP.
O seminário inaugura as atividades do projeto, apoiado pela Fundação Tide Setubal, que será desenvolvido no Distrito Federal e Pernambuco, durante um ano, para o enfrentamento do racismo institucional e a formulação de metodologias de cuidado em saúde mental ancoradas na perspectiva antirracista. E prevê, ainda, formação técnica e política destinada a servidoras(es) que atuam na execução das medidas socioeducativas em meio aberto.
Para o subsecretário de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) e presidente do Conselho Distrital de Promoção de Defesa dos Direitos Humanos (CDPDDH), Diego Moreno, refletir sobre esse tema é necessário para que os obstáculos já diagnosticados dentro do sistema socioeducativo não se repitam e sejam superados, além da resposta do estado na formulação de políticas públicas para esses jovens em conflito com a lei. “Somos movidos pelo mesmo objetivo: garantir uma vida digna e justa a todos os cidadãos”, refletiu.
Andrey Nascimento, jovem ativista do Comitê de Participação de Adolescentes no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) destacou a importância de espaços para que os jovens negros e negras possam falar sobre suas inquietações e movimentos, em especial no campo das desigualdades sociais, educação e na oportunidade do primeiro emprego, “uma educação de qualidade nos permite ter escolha de seguir”, ponderou.
Os direitos negligenciados aos jovens negros foram lembrados na fala do coordenador executivo da ANPSINEP, Igo Ribeiro que apresentou um balanço dos 10 anos da Lei que instituiu o Sinase e a importância da manutenção do diálogo sobre os problemas que fazem parte da realidade de grande parte da população e de jovens que estão no sistema socioeducativo. “É necessário romper o ciclo de violência dentro e fora do sistema e apresentar soluções para as adversidades ainda não resolvidas”, afirmou. Para a assistente social e gerente do GEAMA Samambaia, Mônica de Moura é importante promover espaços de debate sobre o racismo estrutural dentro do sistema e construir uma pauta antirracista nestas instituições.
Graziela Barbosa Barreiros, integrante do Nusmad e tutora de campo da Residência Multiprofissional em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, refletiu sobre a necessidade de debater sobre a saúde mental e o racismo dentro do sistema socioeducativo. “É fundamental que as reflexões sobre a violência, o racismo e saúde mental no sistema socioeducativo sejam realizadas de acordo com a realidade de cada território, e isso envolve falar sobre as faces diversas da violência contra jovens negros dentro e fora do sistema”, finalizou.
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Fotos: Sergio Velho Junior / Fiocruz Brasília