Como a solidariedade alimenta a nossa trajetória e pode iluminar o nosso futuro, como indivíduos, instituição e sociedade? Esta pergunta motivou o debate do primeiro evento comemorativo dos 45 anos da Fiocruz Brasília, realizado de modo virtual na tarde da última segunda-feira (30/8).
Responsável pela mediação da conversa, a diretora executiva da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda, trouxe a metáfora da casa para definir solidariedade. “Não basta a gente colocar um tijolo do lado do outro; é preciso grudá-los para formarem uma casa. Assim também é o viver coletivo, e esse cimento que dá sentido para o grupo é a solidariedade”, afirmou na abertura do encontro.
Participaram como convidados Rogério Barba, presidente do Instituto Barba na Rua e diretor institucional da Revista Traços, e Leonídio Madureira, coordenador da Cooperação Social da Fiocruz. Ambos começaram contando suas histórias de vida e como elas teceram sentidos sobre a solidariedade.
Barba nasceu nas ruas de São Paulo, em 1971, e até os 18 anos foi criado em orfanatos, onde estabeleceu vínculos de solidariedade e amizade. Depois, enfrentou problemas com álcool e drogas, e por 25 anos viveu nas ruas, onde, apesar das dificuldades, também encontrou solidariedade. Há sete anos fora das ruas, trabalhou na Revista Traços e, depois, iniciou seu próprio projeto.
“Quando eu estava na rua, eu recebia comida e roupa, e essa ajuda foi muito importante. Mas, a partir da minha vivência, eu sabia que era necessário fazer algo mais. Então, montei um coletivo para levar cultura, esporte e lazer às pessoas em situação de rua, porque eu sentia muita falta dessa oportunidade. Algo a mais para despertar nessas pessoas o artista, o poeta e o atleta que existem dentro delas”, contou Barba. “Falam que a população em situação de rua não tem voz, mas ela tem, sim. Difícil é alguém parar para escutar essa voz”, destacou. Ele também lembrou o grave impacto da pandemia sobre essa população, não só por causa do novo vírus, mas, principalmente, por conta da fome. “Com tudo fechado, nem no lixo encontravam restos dos restaurantes para comer”.
Filho de mãe camponesa e pai operário que pouco acesso tiveram à educação, Leonídio, desde muito cedo, compreendeu a solidariedade como uma prática de resistência diante dos efeitos nocivos da concentração da riqueza e do poder. “Alguns já nascem com uma expectativa de vida muito menor do que outros. Quando nos tornamos indiferentes a esse modelo de sociedade desigual, que não se preocupa com a reprodução da vida humana e da natureza, isso ajuda a contaminar e adoecer as pessoas”, afirmou. Foi com a convicção de que solidariedade não pode ser apenas uma palavra vazia, mas deve ser um modo de agir, que Leonídio chegou à Fiocruz para trabalhar em uma proposta de desenvolvimento local integrado e sustentável no território de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Hoje ele vê a Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz como um espaço de diálogo com grupos sociais historicamente minorizados em seus direitos. “É um modo de agir em cooperação social a partir de uma horizontalidade, com maior participação social e inspirado no conceito ampliado de saúde, no processo da Reforma Sanitária e na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), para pensar a equidade, isto é, como tratar diferentes pessoas para que elas tenham direitos iguais”, disse.
Barba também destacou a importância do respeito e do diálogo para compreender a melhor forma de ajudar. “Não é só doar; é escutar verdadeiramente as demandas do outro, o que ele precisa, e fortalecer sua autonomia”, pontuou. É preciso reconhecer o outro como um sujeito histórico, um sujeito de direitos, conforme argumentou Leonídio. “A cidadania não é concedida, ela é conquistada, ela é ativa. Mas como falar de cidadania sem contar a verdadeira história dos povos originários e dos povos que vieram escravizados para este país?”, questionou. “Na perspectiva da educação, solidariedade significa ajudarmos a desconstruir tudo aquilo que naturaliza o empobrecimento, a miséria, o racismo, a LGBTfobia, o machismo, o patriarcado”, completou Leonídio.
Para Barba, quando as políticas públicas são de cima para baixo, muitas vezes, elas vão na contramão do que as pessoas precisam. “A nossa luta é uma construção de baixo para cima, com representatividade. A gente só consegue mudar a concentração do poder quando a gente ocupa os espaços, os conselhos, as cadeiras”, ressaltou. “Não podemos ser ludibriados achando que já fizemos a nossa parte porque doamos alimentos ou outros itens. É necessário ter uma política pública que garanta uma renda mínima para todos, ativando a economia local e suas redes”, acrescentou Leonídio, lembrando que as ações emergenciais são muito importantes, mas é preciso mobilização para romper com as desigualdades sociais e construir um modelo pautado na defesa da vida. “Sem medo de errar, neste momento de pandemia, foi a caridade que salvou muitas pessoas em situação de rua de não morrerem de fome, mas a gente não pode deixar de trabalhar as políticas públicas”, concordou Barba, que finalizou com algumas reflexões para quem deseja iniciar um ação solidária.
Confira a íntegra do evento no canal da Fiocruz Brasília no YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=q_DqboYBuSA
Este evento é parte do Ciclo de Inspirações para o Futuro, que comemora os 45 anos da Fiocruz Brasília com atividades até outubro. Saiba mais e participe!
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