Por volta das 14h da última quarta-feira (27/4), o silêncio no prédio da Reitoria da Universidade de Brasília (UnB) foi quebrado. Conversas, risadas, aquele burburinho. Eram estudantes, a grande maioria meninas, do Centro de Ensino Fundamental 26 de Ceilândia que chegavam para visitar a Mostra de Ilustrações #Eu no futuro como cientista e a UnB, promovida pela Universidade em parceria com a Fiocruz Brasília. As meninas, autoras de vários dos desenhos e textos selecionados na chamada pública da Mostra, também participaram de uma roda de conversa sobre mulheres na ciência com pesquisadoras da UnB e da Fiocruz. “Uma bancada de mulheres incríveis”, definiu Hindiany Duarte, uma das professoras do CEF 26 que acompanhavam a visita, entusiasmada por proporcionar aquela vivência às alunas.
Os critérios de seleção dos trabalhos para a Mostra incluíram originalidade, criatividade e pertinência em relação ao tema. Os três trabalhos que alcançaram as maiores pontuações foram premiados: as autoras, entrevistadas pela UnBTV e pela Secretaria de Comunicação da Universidade, também receberam kits contendo o livro Histórias para inspirar futuras cientistas, de Juliana Krapp e Mel Bonfim. “Acredito que, para ser cientista, é preciso muita força de vontade, dedicação nos estudos, não ter medo do novo e, principalmente, acreditar no projeto desenvolvido”, lê-se no trabalho de Beatriz Christina Galvão Wosiach, de 12 anos, aluna do Colégio Militar, primeira colocada da Mostra.
Para conhecer o trabalho de Beatriz e todos os 33 desenhos e textos que compõem a Mostra, acesse aqui o caderno digital da exposição.
Em terceiro lugar, a estudante Myllena Kynberle Magalhães de Assis se inspirou em sua série favorita, A Teoria do Big Bang, e na personagem Amy Farrah Fowler, doutora em neurobiologia, para produzir seu texto e ilustração. No entanto, Myllena avalia que, na série, os homens cientistas têm mais destaque que as mulheres. “Se hoje em dia ainda é difícil para as cientistas terem reconhecimento, imagina antes!”, comentou a jovem de 12 anos, aluna do 7º ano do CEF 26, que gostou da experiência de conhecer pesquisadoras da UnB e da Fiocruz. “Elas conseguiram realizar seus sonhos”, destacou Myllena. Segundo lugar no concurso, a também estudante do CEF 26 Laís Oliveira Lima de Almeida, de 14 anos, concorda que as histórias contadas pelas cientistas foram inspiradoras. “Não importa a sua origem, você pode conquistar seus sonhos, e a educação e o conhecimento são a chave”, ponderou.
Os depoimentos das jovens indicam que o objetivo do projeto – valorizar as mulheres na ciência e incentivar as meninas para as carreiras científicas – está sendo atingido. “É importante que as meninas saibam que elas podem ser donas de suas histórias”, afirmou a decana de Pesquisa e Inovação da UnB, Maria Emília Machado Telles Walter. “É preciso reafirmar a equidade. Devemos garantir as condições para que, de fato, as meninas possam ser o que elas quiserem. Esse é o nosso papel nos cargos de gestão: criar oportunidades e acolher cada vez mais meninas na ciência”, completou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, lembrando que, pela primeira vez na história, a reitoria da UnB e a presidência da Fiocruz são ocupadas por mulheres, Márcia Abrahão e Nísia Trindade Lima, respectivamente.
Histórias de conquistas, mas não sem contradições. “No passado, as mulheres não podiam ir à escola. Quando conquistaram esse direito, não recebiam a mesma educação que os homens. Eram ensinadas a cuidar. E é por isso que profissões associadas ao cuidado – como a educação básica – são hoje exercidas, principalmente, por mulheres, que não são maioria em outros lugares, como no Parlamento. Reproduzimos mecanismos sociais que insistem na ideia de lugares próprios para mulheres ou homens, e os lugares de mais poder ficam com eles. É preciso romper com isso”, sublinhou a decana de Extensão da UnB, Olgamir Amancia.
Não basta ser cientista, temos que lutar pelo direito de ser. Esta foi a mensagem da professora da UnB Adriana Ibaldo, que desenvolve um projeto para atrair mais meninas para a física, um campo ainda bastante marcado pela discriminação das mulheres. “Muitas vezes, a mulher tem que trabalhar o triplo para ter o mesmo reconhecimento de um homem. Busco abrir oportunidades para meninas e mulheres porque quero que elas experimentem a mesma alegria que eu sinto na ciência”, contou a professora do Instituto de Física da UnB.
Professora de história da Secretaria de Educação do Distrito Federal e mestranda da UnB, Mariana Siqueira falou da estreita relação entre ciência e educação básica, lembrando o reencontro que teve com uma jovem que fora sua aluna no 9º ano e ia fazer uma viagem internacional para apresentar seu trabalho de mestrado. “Estamos construindo as bases fundamentais para a ciência. Nós, professoras, somos cientistas, somos especialistas em métodos, nossa sala de aula é um laboratório”, disse, dirigindo-se, em especial, aos docentes que acompanhavam as turmas do CEF 26 na visita à UnB. E, voltando-se aos jovens, incentivou: “Venham para a universidade, ocupem todos os lugares, sejam os sonhos de vocês. E voltem para as periferias, que é onde a vida pulsa e a ciência também deve estar”.
A roda de conversa foi conduzida com entusiasmo e linguagem jovem por Hosana Gomes, de 25 anos, formanda em medicina veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), hoje estagiária do Colaboratório de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Fiocruz Brasília, que compartilhou sua trajetória desde a periferia do Recife, suas dificuldades e realizações, motivando as cerca de 50 meninas presentes no auditório da Reitoria da UnB a seguirem firmes nos estudos e se dedicarem com afinco aos seus sonhos. “Somos potência”, resumiu Hosana.
Também participaram do evento a coordenadora das Mulheres da Diretoria da Diversidade do Decanato de Assuntos Comunitários da UnB, Roberta Cantarela, e a jornalista Vanessa Vieira, editora-chefe da Darcy, revista de jornalismo científico e cultural da UnB. Esteve presente, ainda, a ex-diretora da Fiocruz Brasília Celina Roitman.