Foi realizado no último sábado (12/6) um ato de lançamento da Formação-Ação de Agentes Populares de Saúde do Campo do Distrito Federal e Entorno, uma iniciativa coordenada pelo Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, em parceria com a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O ato ocorreu no Acampamento 8 de Março, em Planaltina, um dos territórios que têm protagonizado essa Formação-Ação. Cerca de 60 agentes já participaram do processo e a previsão é de que mais 40 se somem à iniciativa. Integram esse trabalho os Acampamentos 8 de Março e Pequeno William, em Planaltina, o Acampamento Pôr do Sol, em Sobradinho, o Acampamento Noelton Angélico e o Centro de Educação Popular e Agroecologia Gabriela Monteiro, em Brazlândia, além de outras comunidades próximas.
A Fiocruz tem coordenado iniciativas como essa em vários lugares do país, muitas delas voltadas às populações de periferias urbanas, inclusive no Distrito Federal. “O trabalho com os acampamentos e assentamentos tem como diferencial o foco na população do campo e suas especificidades. Ele tem sido realizado aqui no Distrito Federal e também no Ceará”, conta André Fenner, um dos coordenadores do PSAT.
No Distrito Federal, foram selecionados territórios onde já havia grupos comunitários organizados, que poderiam ajudar a estruturar as atividades e manter a atuação dos agentes após a formação. “Nossa expectativa é ter pessoas com o conhecimento necessário para o cuidado às famílias nas comunidades, dando orientações gerais relacionadas à Covid-19 e acompanhando os moradores em outras necessidades que a pandemia trouxe ou aprofundou, como a falta de renda e de acesso à água, e o aumento da violência doméstica”, afirma Lucas Lemos, membro do Coletivo de Saúde do MST.
A formação dos agentes populares de saúde do campo surge na perspectiva de construir com os territórios um processo de vigilância e cuidado no cenário de enfrentamento da pandemia de Covid-19. Mas não é uma formação que se restringe aos aspectos da contaminação pelo vírus, e aborda também os impactos da pandemia na vida da população do campo.
Foi pensada uma estrutura de formação baseada em três grandes blocos – no Distrito Federal, as atividades têm sido presenciais, respeitando-se o distanciamento e todos os protocolos sanitários; no Ceará, elas são híbridas, presenciais e online. O primeiro bloco discute o que é a Covid-19, sintomas, formas de transmissão, prevenção e vacinas. O segundo aborda questões relacionadas à produção de alimentos, à segurança alimentar, ao acesso à água, à preservação da biodiversidade e à geração de renda. Já o terceiro trata da assistência social, do combate à violência, do acesso à educação, à terra e a outros direitos.
Essa estrutura, porém, não é rígida. Os assuntos são debatidos de acordo com as necessidades e os interesses de cada território. A ordem dos blocos não só pode variar, como novas temáticas podem ser incluídas conforme a formação avança. Em alguns territórios, por exemplo, surgiram demandas relacionadas ao uso de plantas medicinais e à prática de exercícios físicos.
“Os três grandes blocos são como um pontapé inicial de uma ação que busca formar agentes não da Covid-19, mas da saúde, entendendo esses agentes como pessoas que cuidam de sua comunidade, que multiplicam saberes e práticas de cuidado, com o objetivo de ter um número cada vez maior de pessoas cuidando umas das outras e melhorando a qualidade de vida no território”, afirma Gislei Knierim, educadora da Fiocruz Brasília e coordenadora pedagógica da iniciativa.
Cada território constrói uma dinâmica própria de formação de seus agentes. É preciso conhecer a realidade de cada território para estabelecer barreiras sanitárias adequadas. No caso dos trabalhadores rurais, além do uso correto da máscara, é necessário um cuidado com as ferramentas, que não devem ser compartilhadas e devem ser higienizadas com água sanitária diluída. É necessário também um cuidado no processo de comercialização dos produtos nas feiras.
No campo, não há acesso disseminado a álcool em gel e mesmo água e sabão são bens escassos. Então, é importante que os moradores se organizem para produzir seu próprio sabão e criem uma alternativa comunitária para a lavagem das mãos. “A vigilância popular em saúde é uma forma de empoderamento da comunidade, que tem autonomia para se organizar, identificar seus problemas e enfrentá-los com a linguagem local”, resume Fenner.
É importante destacar que a atuação dos agentes populares de saúde é voluntária e não substitui o trabalho dos agentes comunitários de saúde, integrantes das Equipes de Saúde da Família. A atuação de um se soma ao trabalho do outro. “A vigilância popular em saúde é complementar ao Programa Saúde da Família, que ainda não está implantado em todos os rincões do país. Aqui no Distrito Federal, inclusive, ele é muito jovem”, comenta Fenner.
Os agentes populares vão à casa das pessoas que moram mais distante, fazem reuniões com moradores embaixo de árvores ou outros locais abertos, trazem convidados para conversar sobre alguma pauta específica, sempre atentos ao distanciamento e aos protocolos sanitários. Eles disseminam informações confiáveis e monitoram a saúde da comunidade, conhecem as condições de saneamento, acolhem as famílias que perderam alguém por Covid-19, sabem quem ainda não foi vacinado. No Ceará, está sendo desenvolvido um aplicativo que poderá ser usado pelos agentes populares para a coleta e o registro de dados das famílias do campo. A proposta da vigilância popular é fortalecer a aproximação com o sistema de saúde, especialmente com a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, para diálogo e trocas com as equipes de saúde.
“A formação dos agentes populares de saúde ressignifica a nossa compreensão do que é saúde”, avalia Gislei. Segundo ela, essa é uma formação que não termina, porque se transforma em uma rede permanente de trocas entre os diferentes atores envolvidos, nos territórios, nos movimentos sociais, nas instituições, a partir do protagonismo, da mobilização e da organização de quem mora na comunidade. “A vigilância popular em saúde fortalece o Sistema Único de Saúde (SUS), com uma população mais esclarecida e que cuida mais de si e da sua comunidade”, aponta Gislei.
No ato de lançamento, entre os convidados, estavam a deputada federal Erika Kokay, autora da emenda parlamentar que originou o projeto, e Nilton Cometti, diretor do Instituto Federal de Brasília (IFB) de Planaltina.
Também participaram: Sandra Cantanhede, integrante da Direção Nacional do MST; Márcia Rodrigues Xavier, representante da UBS do Núcleo Rural Pipiripau (SES/DF); Ágata Ferreira, representante da Campanha Nós por Nós; Arlete Sampaio, deputada da Câmara Legislativa do Distrito Federal; e Lilian Silva Gonçalves, integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicas Populares. Os convidados receberam cestas com alimentos produzidos pela agricultura familiar, sem uso de agrotóxicos, em sistema de agrofloresta.
Aos participantes da Formação-Ação foram entregues kits com materiais do projeto, incluindo cartilhas com informações sobre Covid-19 e orientações sobre vigilância popular em saúde. Os agentes populares de saúde do campo estarão identificados com boné, máscara, avental e sacola (foto à esquerda) para a realização de suas atividades.