Muito se fala sobre a circulação e os danos causados pelas fake news, especialmente as notícias falsas sobre saúde em tempos de pandemia. Mas ainda é preciso compreender mais profundamente como os indivíduos se comportam e reagem diante de uma desinformação. Com esse objetivo, uma pesquisa realizada no Reino Unido e no Brasil buscou investigar como usuários de WhatsApp, de diferentes faixas etárias, assimilavam e respondiam a uma desinformação sobre Covid-19. Os resultados do estudo foram publicados em março no periódico Humanities and Social Sciences Communications, do grupo Nature. O trabalho é coordenado por Santosh Vijaykumar, da Northumbria University (Reino Unido), e conta com a participação da brasileira Mariella de Oliveira-Costa, jornalista e pesquisadora da Fiocruz Brasília.
Clique aqui para acessar a íntegra do artigo (em inglês)
Brasil e Reino Unido são dois países bastante afetados pela pandemia e, em ambos, o WhatsApp é o aplicativo mais popular de troca de mensagens, além de um reconhecido vetor de disseminação de fake news. Os dados da pesquisa foram coletados online entre final de maio e início de junho de 2020.
Os pesquisadores estavam interessados em como os indivíduos responderiam quando expostos a diferentes graus de (des)informação, desde uma notícia completamente falsa até uma totalmente verdadeira, passando por uma parcialmente verdadeira – o que os autores chamaram de ‘tons de verdade’. Eles também investigaram as reações dos participantes depois de terem acesso à informação corrigida e avaliaram a efetividade dessa correção.
O estudo contou com 725 participantes do Reino Unido e 729 do Brasil, divididos em dois grupos etários: de 18 a 54 anos e a partir de 55 anos. Nos dois países, mais da metade dos participantes tinham, pelo menos, graduação.
Todos preencheram um questionário inicial sobre conhecimentos gerais da Covid-19. Depois, receberam uma mensagem de WhatsApp sobre a relação entre a doença e o alho: alguns receberam uma informação correta; outros, uma informação parcialmente correta; e o último grupo ficou com a informação totalmente incorreta – isto é, a fake news de que o alho poderia curar a Covid-19. Após o preenchimento de um novo questionário, todos receberam uma segunda mensagem de WhatsApp com a informação corrigida – a de que não existem evidências científicas que sustentem o uso do alho no tratamento da Covid-19 –, por meio de um infográfico com dados da OMS. As reações dos participantes a essa correção foram coletadas em um último formulário. Todo o processo levou de cinco a 40 minutos no Brasil, e de quatro a 21 minutos no Reino Unido.
A pontuação de conhecimentos gerais iniciais sobre Covid-19 foi alta entre os participantes do Reino Unido e média entre os participantes do Brasil. Nos dois países, os participantes mais velhos, isto é, com 55 anos de idade ou mais, tiveram pontuações mais altas.
De modo geral, no Brasil e no Reino Unido, as mensagens totalmente corretas foram as que tiveram maior credibilidade e intenção de compartilhamento. Os pesquisadores também observaram que os participantes, para reconhecer a informação correta, levavam em conta mais o conteúdo da mensagem do que sua fonte. Só que os participantes mais jovens, entre 18 e 54 anos, se mostraram mais suscetíveis a acreditar na desinformação e compartilhá-la, se comparados aos participantes mais velhos, em ambos os países.
Contudo, principalmente no Reino Unido, aqueles participantes mais velhos que acreditaram na informação falsa ou parcialmente falsa passaram a confiar ainda mais nessas fake news, e não o contrário, mesmo depois de receberem a informação corrigida. Esse comportamento pode ser uma consequência de os indivíduos já terem sido expostos várias vezes à fake news do alho – e, como diz o ditado, uma mentira muito repetida tende a parecer verdade…
“Nosso estudo destaca a necessidade de engajamento com adultos mais jovens, dada sua maior vulnerabilidade à crença de desinformação, níveis mais baixos de conhecimento e suscetibilidade crescente à Covid-19”, diz o artigo. “Da mesma forma, a comunicação que chega aos adultos mais velhos precisará ser calibrada em termos de frequência e conteúdo, a fim de evitar o reforço de crenças na desinformação que eles recebem em plataformas de mídia social como o WhatsApp”, acrescenta.
Apesar desse desafio, o estudo também mostrou que, tanto no Brasil como no Reino Unido, de modo geral, a correção da informação reduziu a crença em informação falsa, com uma maior credibilidade da informação corrigida e uma maior intenção de compartilhá-la. De acordo com o artigo, “esses achados sugerem que as informações corrigidas pelas autoridades de saúde pública são essenciais para sustentar informações prévias corretas, desmistificar informações incorretas e intervir contra o compartilhamento prejudicial dessas informações incorretas”. Os autores defendem que, mais do que somente sinalizar que uma informação é falsa e apontar o descrédito da sua fonte, a correção eficaz é aquela que explica por que a mensagem é incorreta.
Outras recomendações da pesquisa incluem avaliar o potencial do uso de infográficos na comunicação de evidências científicas; desenvolver estratégias de comunicação em saúde segmentadas de acordo com a audiência; e investir na alfabetização das pessoas em mídias, fortalecendo suas habilidades de leitura crítica.
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Este estudo é parte de um conjunto de pesquisas coordenadas por Santosh Vijaykumar, da Northumbria University (Reino Unido), e apoiadas pelo WhatsApp, cujos resultados foram apresentados em um documento de divulgação científica acessível neste link: Shades of Truth Visual Report (em inglês)